O Estado da Nação.**Espaço para o adjectivo que quiser


Caótico. Vergonhoso. Absurdo. Imoral. Moribundo. Podre. Podemos continuar? Confuso. Triste. Dormente. Surreal. Deprimido. As palavras para descrever o Estado da Nação não constam no dicionário dos optimistas. E os números ajudam a pintar o quadro a negro: desemprego a atingir recordes históricos (15,2%), 11% dos trabalhadores a ganhar actualmente o salário mínimo e um recuo…


Caótico. Vergonhoso. Absurdo. Imoral. Moribundo. Podre. Podemos continuar? Confuso. Triste. Dormente. Surreal. Deprimido. As palavras para descrever o Estado da Nação não constam no dicionário dos optimistas. E os números ajudam a pintar o quadro a negro: desemprego a atingir recordes históricos (15,2%), 11% dos trabalhadores a ganhar actualmente o salário mínimo e um recuo de quase uma década no salário médio real dos portugueses (que em 2013 atingirá o ponto em que estava em 2005). “Estamos a navegar numa noite escura e sem bússola”, resume ao i Viriato Soromenho Marques, professor catedrático.

Ao fim de um ano de programa da troika e a propósito do debate do Estado da Nação, que decorre hoje no parlamento, o i lançou um desafio aos seus leitores e das mais de duzentas respostas que recebeu desde sexta-feira apenas seis resumiram a situação do país numa palavra positiva. “A minha dúvida é se ainda estamos à beira do abismo ou se já caímos e fizemos buraco”, afirma ao i Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril. O capitão de Abril critica os responsáveis políticos que “assobiam para o lado” a cada novo escândalo e afirma que se o caminho de destruição do Estado Social continuar podemos assistir a “uma nova guerra”.

Passos Coelho estará hoje a discutir pela primeira vez o “Estado da Nação” depois de o Presidente da República já ter dito que “não será fácil encontrar espaço para mais sacrifícios”. A oposição não vai dar descanso ao governo (ver texto ao lado) que está a estudar novas medidas para cumprir as metas da troika nos próximos anos, depois de o Tribunal Constitucional (TC) ter vetado o corte nos subsídios. Mas antes disso há a execução orçamental deste ano para resolver e até a maioria pressiona para ter respostas já hoje.

O governo não admite, para já, mais austeridade, mas o fantasma de mais sacrifícios paira sobre a cabeça dos portugueses. “A única esperança é que o CDS diga que não e bata com a porta”, diz ao i o cineasta António-Pedro Vasconcellos. Os centristas têm vindo a referir que mais austeridade não, mas depois da decisão do TC o discurso suavizou.

O caminho de austeridade já definido por Bruxelas no Memorando de entendimento, e acatado pelo executivo, não é bem aceite por todos. “A História da Europa mostrou-nos duas guerras mundiais com origem em políticos cegos e é a isso que estamos a assistir agora: os políticos cegaram e estão a conduzir-nos para o abismo”, considera António-Pedro Vasconcellos. “Estou muito pessimista em relação à situação do país e acho que este caos pode levar-nos à ditadura”, acrescenta. A falta de soluções na Europa é apontada como um dos principais problemas e, por isso mesmo, o realizador considera que os países do Sul se deviam “unir” e obrigar os países “inflexíveis” a mudar de política.

Apesar do aparente pessimismo, o sociólogo Manuel Villaverde Cabral afirma que teríamos de analisar a amostra das mais de duzentas pessoas para avaliar se esse estado de espírito se estende a toda a sociedade. E deixa uma questão: “De que nos serve o pessimismo? Não resolve nada”. Para o sociólogo, a sociedade portuguesa tem resistido com “resiliência” às dificuldades e o pior do país não é o estado da economia. “É a política que nos ameaça”, considera Villaverde Cabral, apontando o dedo a um sistema político “mau” e a um governo com “intervenções despropositadas”.

O rumo que Portugal tem de seguir é doloroso e as consequências não são para já previsíveis. “Numa guerra os soldados morrem com uma razão. Nesta guerra os soldados morrem mas uma vitória ou derrota são imprevisíveis”, afirma Soromenho Marques. Os resultados do cumprimento do Memorando não dependem exclusivamente do país, aliás os riscos externos têm sido repetidos quase até à exaustão pelo governo para alertar que os portugueses não estão livres de surpresas.

O desfecho está fora do controlo de cada um mas, para Vasco Lourenço, os portugueses “não podem desistir”. Têm de ser capazes de “dar a volta ao texto” porque não podem deixar que “os vampiros continuem a sugar o sangue” da população. “Não podemos emigrar todos, este é o nosso país e este é o nosso povo”, remata.