O investigador José Quintanilha Mantas garantiu ontem em conferência de imprensa ter reunido documentos que impedem que a Maternidade Alfredo da Costa (MAC) tenha outra utilização que não a actual. O também museólogo não apresenta, para já, as escrituras de doações que diz ter em sua posse, depois de “cinco meses de investigação”, mas assegura que “o edifício não pode ser alienado nem utilizado para outro fim que não o de maternidade”.
A decisão de encerrar a MAC até ao final do ano foi comunicada aos directores de serviço e confirmada pela administração do Centro Hospitalar Lisboa Central (CHLC) há menos de um mês, a 14 de Junho. Na altura, os clínicos da maternidade mostraram-se surpreendidos pela notícia. O argumento apresentado pelo CHLC foi o de que se iria apostar na “reorganização de sinergias”, por força da “necessidade de reduzir custos e evitar redundâncias”. O problema, defende José Mantas, é que “os vários documentos são probatórios para que a MAC não seja vendida nem tenha outra função”.
A MAC foi inaugurada a 5 de Dezembro de 1932. Para a construção, primeiro, e, mais tarde, para que fossem equipados os serviços da maternidade foram feitas doações que surgiram de diversas origens. Entre as primeiras contribuições destaca-se a de Bernardino Machado, ministro do Interior em 1912, que ofereceu os 250 contos para o arranque da construção. Antes, a condessa de Camarido tinha doado o terreno onde actualmente existe a MAC – ainda que na altura a intenção fosse a de que ali viesse a nascer um templo em homenagem a Nossa Senhora da Conceição. O projecto não avançou por falta de financiamento e acabou por ser anulado com a instauração da república em Portugal e com a perseguição feita à Igreja na altura. António de Oliveira Salazar avançou com os 1300 contos que possibilitaram a conclusão das obras.
São os documentos que resultam de outras doações que agora poderão impedir o governo de dar ao edifício e ao terreno da MAC um uso que não o previsto inicialmente. “O Estado, ao receber o bem para determinado fim, não fica dono do mesmo. Os herdeiros têm direito a reclamar o que doaram”, explica ao i Alexandrina Pereira. A reversão do bem – expressão usada para explicar a exigência da devolução do bem doado – pode ocorrer, “principalmente desde que o fim que se pretende dar não seja público”, refere a jurista. “O edifício pode ser encerrado, com o argumento de que não é sustentável, mas não podem dar-lhe outro fim que não o inicial”. Helena Soares Moura reforça a ideia de que “pode haver condições feitas às doações”. José Quintanilha remeteu para o “devido momento” a divulgação dos documentos em que baseia a sua convicção – alguns ainda por reunir –, mas em teoria Soares Moura admite que possa haver obstáculos à comercialização do espaço ocupado pela maternidade, uma vez que “o doador pode estipular condições a serem cumpridas pelo donatário, e o uso a dar à coisa doada é uma das condições que se pode impor”, explica a advogada com experiência em Direito Civil. Na prática, se as escrituras de doações que deram lugar MAC previrem condições para o uso dos bens ou das verbas doadas que limitem a utilização das mesmas o Estado fica limitado à continuação da maternidade ou ao encerramento, deixando o edifício sem uso. Ao i, João Semedo disse que “se governo tinha perspectiva de fazer um bom negócio imobiliário, e a serem verdadeiros esses documentos, cai tudo pela base”. O deputado do Bloco de Esquerda defende, no entanto, que o encerramento “não tem nada a ver com antigas doações e com os seus condicionalismos. Encerrar a MAC é um erro, independentemente do destino que eventualmente se possa dar ao edifício”.
Na conferência de imprensa, José Quintanilha Mantas lembrou a situação dos “cerca de 700 profissionais” da maternidade. “Todos, sem excepção, têm família e contas para pagar”, e deparam-se com “brechas que poderão ser irreversíveis”, perante a decisão “meramente política” de encerrar os serviços. O investigador recordou ainda que, segundo dados da Direcção Geral de Finanças, de 2008, o valor patrimonial do edifício está estimado em 19 milhões de euros, com uma área de 6500 metros quadrados.