Banco de Portugal prevê para 2012 algo que não acontece desde 1943


Entre 1941 e 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, Portugal neutral conseguiu vender mais ao exterior do que importava, graças às exportações de volfrâmio para as potências beligerantes. Desde então Portugal comprou sempre mais ao exterior do que vendeu – neste ano e no próximo, contudo, será diferente, prevê o Banco de Portugal (BdP). O…


Entre 1941 e 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, Portugal neutral conseguiu vender mais ao exterior do que importava, graças às exportações de volfrâmio para as potências beligerantes. Desde então Portugal comprou sempre mais ao exterior do que vendeu – neste ano e no próximo, contudo, será diferente, prevê o Banco de Portugal (BdP).

O banco central português calcula que o saldo da balança comercial seja marginalmente positivo já este ano (0,4% do PIB), crescendo mais em 2013 (2,5%), o que significa que pela primeira vez em cerca de sete décadas o comércio externo financiará em termos líquidos a economia. No conjunto, o saldo externo global – balança corrente e de capital – será positivo no próximo ano, um sinal para o BdP da correcção em curso de um desequilíbrio fundamental da economia.

“As exportações representam um papel crucial no processo de ajustamento da economia portuguesa, no reequilíbrio das contas externas”, aponta a instituição no Boletim Económico do Verão publicado ontem. “Esta evolução é fundamental para assegurar o regresso a uma trajectória sustentável, assegurando condições de solvabilidade da dívida externa”, acrescenta.

A correcção do desequilíbrio externo é explicada por dois factores distintos: por um lado, o esmagamento do consumo privado e o colapso do investimento privado, duas forças que estão a reduzir mais as importações que o previsto pelo BdP; por outro, o crescimento das exportações de bens e serviços, sobretudo para mercados fora da União Europeia.

Na frente das vendas ao exterior, o BdP realça a recuperação relativa de quota de mercado por parte das empresas portuguesas, que perante um mercado europeu em dificuldades têm diversificado os destinos de exportação – as vendas para mercados extracomunitários (Angola, Estados Unidos, Brasil e China são os mais importantes) cresceram 31,9% no primeiro trimestre deste ano (12,9% no mesmo período em 2011), face a 6% para os comunitários (19,6% em 2011). Os dados do BdP permitem perceber que as empresas portuguesas recuperarão este ano a perda de quota acumulada nos primeiros dez anos com o euro.

“A evolução cambial tem sido geralmente favorável às exportações”, indica o economista Ricardo Paes Mamede. Desde o início do ano o euro deslizou 6% face ao dólar, quase 14% no conjunto do último ano. O economista realça ainda a alteração da estrutura das exportações portuguesas nos últimos anos, com perda de importância dos sectores tradicionais e de mais baixo valor.

A questão central do ajustamento está em saber se perante o esmagamento do mercado interno as empresas exportadoras (cerca de 5% do total) terão capacidade de contágio positivo suficiente para o investimento e para a recuperação de empregos – e se esse crescimento não levará de novo, como no passado, a um disparo nas importações (quer para consumo, quer para investimento).

“Essa é a grande questão. Parece que pelo lado dos bens transaccionáveis (exportáveis) as notícias são positivas e a expectativa é que o desempenho aqui possa contagiar o investimento privado empresarial”, comenta Paula Carvalho, economista do Banco BPI. Do lado do consumo, o desemprego alto e a compressão salarial – factores negativos que deverão continuar a exercer a sua força – manterão o consumo privado em xeque, concorda a economista.

Ricardo Paes Mamede realça que as alterações estruturais significativas no desempenho externo estiveram sempre relacionadas com investimento directo estrangeiro (como o caso da Autoeuropa, a fábrica da VW em Palmela). Sem tais fluxos externos, Paes Mamede não está optimista. “O desempenho exportador actual é mais conjuntural [recessão e efeito cambial] do que estrutural – nos escalões de mais alta intensidade tecnológica o cenário da produção portuguesa não se alterou substancialmente”, afirma.