Sem folgas – é esta a posição do Banco Central Europeu (BCE). Dar mais tempo a Portugal para cumprir a correcção das contas públicas seria visto pela comunidade financeira internacional como “um retrocesso”, defendeu ontem o presidente do BCE, Mario Draghi, que considera que o país não deve folgar as metas orçamentais. O BCE junta-se à Comissão Europeia na mensagem aos mercados financeiros de que o programa português está a correr bem, guardando para o final do ano um eventual relaxamento da meta orçamental e do prazo do ajustamento.
“Como acha que os mercados reagiriam ao que seria considerado um retrocesso? O meu sentimento é que devemos perseverar”, afirmou ontem Mario Draghi na comissão de Assuntos Económicos do Parlamento Europeu, respondendo a uma pergunta da eurodeputada socialista Elisa Ferreira. Draghi reconheceu que “é evidente que há tensões sociais e uma situação económica muito difícil em Portugal e noutros países”, mas considerou um erro “voltar atrás e folgar o programa” – para a instituição sedeada em Frankfurt, a consolidação orçamental e as reformas estruturais são saídas “inevitáveis para restaurar a competitividade”.
“A Irlanda mostrou que vale a pena perseverar, pois conseguiu regressar aos mercados na semana passada”, exemplificou o presidente do BCE. A Irlanda voltou ao mercado de dívida de curto prazo – emitiu a um prazo de três meses –, ao qual Portugal nunca deixou de ter acesso desde o arranque do programa da troika. Os irlandeses continuam, tal como os portugueses, arredados do crucial mercado de obrigações de médio e longo prazo.
O sinal de Mario Draghi junta-se à mensagem da Comissão Europeia, na semana passada: Portugal está a cumprir o programa e as metas são atingíveis. Também o Fundo Monetário Internacional, num tom mais suave, tem realçado até aqui que as metas continuam de pé. As garantias públicas contrastam com o desvio sugerido pelos dados da execução orçamental nos primeiros cinco meses do ano, bem como com a estimativa oficial para o défice no primeiro trimestre. Porquê, então, a dissonância?
“Portugal está a recuperar credibilidade e há que gerir as expectativas dos mercados – é importante que a troika diga que a meta é atingível e que Portugal cumpre”, explica Eduardo Catroga, economista que coordenou o programa de governo do PSD. E se Portugal não cumprir, como fica a percepção dos mercados? “O governo português está a fazer tudo e não deve pedir – se a troika mudar os seus pressupostos, algo que deverá acontecer mais para o final do ano, é a troika que se engana, não é a credibilidade do governo que fica posta em causa”, acrescenta Catroga.
Mensagem para os mercados à parte, os sinais de uma eventual flexibilização da meta de 2012 e do prazo do ajustamento orçamental têm sido visíveis. De Bruxelas, fonte comunitária afirma ao i que “Portugal terá tanta ou mais tolerância que a dada a outros países membros”, reservando para “mais tarde” um julgamento sobre a margem a conceder. Os outros membros são pelo menos Espanha – que terá mais um ano para reduzir o défice orçamental em troca de mais austeridade (ver texto secundário) – e potencialmente a Grécia (que está a tentar negociar uma extensão de dois anos para o seu programa de ajustamento).
O FMI já avisou várias vezes contra a intensificação da austeridade para perseguir as metas do défice, no caso de derrapagens motivadas por factores fora do controlo directo do governo. Tal como a Comissão Europeia, o FMI parece estar disposto a tolerar um défice orçamental maior – quão maior sem mais austeridade não se sabe – desde que o governo português faça as reformas estruturais e mantenha a despesa pública controlada. No relatório da terceira avaliação ao programa português, publicado em Abril, o FMI avisava para o risco que mais austeridade representará para o apoio político ao Memorando da troika, bem como para a própria unidade do governo de coligação PSD/CDS.
A possibilidade de ter mais tempo surgiu intensamente na agenda política depois de conhecida informação negativa sobre o andamento das contas públicas. A execução orçamental nos primeiros cinco meses do ano revela um desvio considerável – 0,8 pontos do PIB é o valor indicado pelo especialista Paulo Trigo Pereira, no “Público” – causado pela queda maior que a esperada na receita fiscal. No primeiro trimestre, o défice orçamental em contabilidade nacional (a óptica que interessa para Bruxelas) foi de 7,9%.
O cumprimento da meta de 4,5% este ano, que corresponde ao maior esforço orçamental feito em democracia, será praticamente impossível sem mais medidas duras. Mesmo que Portugal cumpra em 2012, será com medidas provavelmente transitórias, que tornariam mais desfavorável o ponto de partida para a consolidação em 2013, ano em que a meta é de 3%. O esforço no próximo ano terá ainda de ser repensado, depois do chumbo por parte do Tribunal Constitucional dos cortes nos subsídios de férias e de Natal centrados apenas na função pública e nos pensionistas.