Freeport. Identidade do Pinóquio domina última sessão com testemunhas


Se a oficina do Gepeto existisse, não faltaria serviço ao homem que criou o boneco de madeira a que crescia o nariz quando mentia. A identidade do homem a quem era atribuída a alcunha de Pinóquio nuns emails que constam do Processo Freeport sempre foi um mistério e voltou ontem a ser referida no julgamento…


Se a oficina do Gepeto existisse, não faltaria serviço ao homem que criou o boneco de madeira a que crescia o nariz quando mentia. A identidade do homem a quem era atribuída a alcunha de Pinóquio nuns emails que constam do Processo Freeport sempre foi um mistério e voltou ontem a ser referida no julgamento no Barreiro. Primeiro o Pinóquio foi o contabilista da Smith & Pedro, de que eram sócios os dois arguidos do processo; depois foi José Marques, vice-presidente do Instituto de Conservação da Natureza; na terceira versão, o boneco de madeira seria o ex-primeiro-ministro José Sócrates; e ontem voltou a ser o contabilista. Conclusão: no julgamento do Freeport houve pelo menos três Pinóquios.

Nas declarações prestadas ontem em julgamento, Manuel Pedro e Charles Smith – os dois sócios acusados de tentativa de extorsão – coincidiram na versão do nome do boneco de madeira apanhado numa troca de emails em que o consultor da Smith & Pedro Charles Smith pede aos administradores da Freeport 80 mil libras para “pagar Pinnochio”, conforme combinado com outra personagem-mistério, o “Bernardo”.

Manuel Pedro lembrou que Charles Smith usava alcunhas para toda a gente e não hesitou em associar a de Pinóquio ao contabilista da Smith & Pedro, que estava no Algarve e precisaria de dinheiro “para viabilizar protocolos para continuar a desenvolver o projecto”. Horas antes, Charles Smith repetiu o que já tinha dito em julgamento: Pinóquio era a alcunha do seu contabilista e as 80 mil libras pedidas ao director comercial do Freeport, Gary Russel, serviam para “custear protocolos e a obtenção de licenças”. Na audiência, a identidade do boneco de madeira não foi o único enigma que o colectivo de juízes tentou desvendar. “Quem era Bernardo?” Manuel Pedro não se lembra. “Charles Smith usava alcunha para toda a gente”, terá dito. “Quem era Inocência?” Manuel Pedro desconhece. “Quem eram os senhores dos cágados?” “Os ambientalistas que sempre se opuseram ao projecto e nunca ganharam nenhuma queixa”, disse Manuel Pedro. “E o Gordo?” Segundo Manuel Pedro, seria ele próprio. “E o filósofo, era José Sócrates?”, tentou por fim saber o colectivo. Manuel Pedro usou a ironia: “Não gosto particularmente de filósofos.”

milhões para advogado Charles Smith e Manuel Pedro voltaram a coincidir noutro ponto quatro meses depois do início do julgamento: houve, de facto, um pedido de verbas para a viabilização do outlet, num total de “1,25 milhões de contos” e terá sido feito pelo advogado José Gandarez, num jantar-reunião em Alcochete, a 4 de Dezembro de 2001 (dois dias antes do segundo chumbo do projecto), disse Charles Smith à tarde. De manhã , Manuel Pedro já tinha dito o mesmo. “Quem esteve presente desde o início foi o Dr. Gandarez, que disse que a proposta ia ser chumbada e havia a possibilidade de a viabilizar mediante um pagamento de dois milhões.” Manuel Pedro acrescentou ter ficado em “estado de choque” com a proposta. “Pareceu-me anormal, uma proposta impossível, porque não é normal num processo daquela natureza alterar um projecto em 48 horas.”

Na última sessão antes das alegações finais – marcadas para 16 de Julho –, Manuel Pedro confirmou ainda ter havido uma reunião com o então ministro do Ambiente, José Sócrates, agendada pelo então presidente da Câmara de Alcochete, José Dias Inocêncio. O objectivo, acrescentou o arguido, era debater alterações necessárias à viabilização do projecto, que tinham estado na origem dos dois chumbos anteriores. Charles Smith admitiu que ele e o sócio contactaram Júlio Monteiro, tio de José Sócrates, para conseguirem uma reunião “ao mais alto nível”, que conduzisse à viabilização do outlet de Alcochete.