Mahatma Gandhi nunca foi um grande jogador. Mas gostava de futebol. Era uma paixão pessoal, mais um caminho para encontrar a paz espiritual. Conheceu o desporto em Inglaterra, enquanto estudava Direito. Mais tarde, já na África do Sul, percebeu que era uma boa forma de chegar às pessoas. O futebol reunia sobretudo as classes mais pobres e excluídas, aquelas que Gandhi procurava influenciar. Além disso, cativava-o a ideia de que o jogo de equipa se sobrepunha às capacidades individuais.
Era a fórmula ideal para espalhar a sua filosofia, assente numa luta sem violência pela igualdade de direitos. Ajudou a criar três equipas – em Durban, Pretória e Joanesburgo – todas com o mesmo nome: Passive Resisters Soccer Club. Distribuía panfletos com mensagens políticas. Discursava apaixonadamente, junto ao campo, para o público e para as equipas.
Nessa altura, no início do século XX, o futebol indiano estava sob forte influência britânica. O jogo tinha chegado à colónia através dos soldados e até foi criada uma competição para os entreter. Assim nasceu a Taça Durand, a terceira mais antiga do mundo (atrás da Taça de Inglaterra e da Taça da Escócia). Mas o domínio britânico estava de tal forma vincado que a primeira federação de futebol não tinha um único indiano na direcção.
Foi preciso esperar até 1948, um ano depois da independência, para ver a selecção numa competição internacional. Frente à França, nos Jogos Olímpicos de Londres, muitos dos jogadores indianos apareceram descalços – preferiam jogar sem chuteiras. Perderam 2-1, mas pelo caminho falharam dois penáltis.
Em 1950 surgiu uma oportunidade única: participar num Mundial. Com a desistência da Birmânia, da Indonésia e das Filipinas na fase de qualificação, a Índia ficou logo apurada. A FIFA comprometia-se a pagar a viagem para o Brasil, só que a federação indiana decidiu não ir. Num comunicado, alegava falta de consenso na escolha dos jogadores e pouco tempo de treino para preparar a selecção. Sailen Manna, que teria sido capitão dessa equipa, mal tinha noção daquilo que estava a perder. “Não fazíamos ideia da existência do Mundial”, conta o antigo jogador. “Se estivéssemos mais bem informados teríamos tido a iniciativa de ir. Para nós, os Jogos Olímpicos eram tudo. Não havia nada maior. O futebol indiano estaria noutro nível se tivéssemos feito essa viagem.”
Mas não fizeram. Dois anos depois, repetiu-se a presença nos Jogos Olímpicos e as chuteiras voltaram a ficar para trás. Pior ainda foi o resultado em campo – derrota por 10-1 com a Jugoslávia. Mesmo assim, esta era a época dourada do futebol indiano. Nos Jogos de 1956, já devidamente calçada, a selecção ganhou à Austrália (4-2) e ficou no quarto lugar. Oito anos mais tarde, foi vice-campeã asiática – numa competição com apenas quatro equipas.
Depois veio o declínio. Nos últimos 48 anos, tem duas presenças (1984 e 2011) na fase final da Taça Asiática. Enquanto os outros países cresceram, a Índia transformou-se num “gigante adormecido”, como Joseph Blatter lhe chamou em 2007. Num país com 1,2 mil milhões de habitantes e raízes de futebol antigas, potencial não falta. Até porque há mais de 20 milhões de jogadores – uma base de recrutamento com o dobro da dimensão da população portuguesa.
EXPANSÃO Sunil Chhetri, reforço da equipa B do Sporting, é o primeiro verdadeiro produto exportado pelo futebol indiano. “É um momento memorável, um marco importante. Ele vai jogar lado a lado com alguns dos melhores jogadores do mundo”, diz Praful Patel, presidente da federação. “É o início de uma nova era no futebol indiano.”
Até 1996 não havia um campeonato nacional. Há cinco anos, o modelo inicial foi substituído pela I-League, criada com o objectivo de profissionalizar o futebol indiano. Na região de Bengala Ocidental está a ser preparado um campeonato ainda mais ambicioso, com estrelas internacionais (como Hernán Crespo, Fabio Cannavaro e Robert Pires). A competição devia ter começado em Fevereiro, mas o arranque foi adiado até ao fim do ano devido a problemas logísticos.
Chhetri fala com paixão sobre a oportunidade de fazer algo importante pelo seu país. “Estou entusiasmado. Sempre disse que gostava de jogar no estrangeiro”, explica o avançado de 27 anos. “Quero perceber até onde consigo ir, onde está o meu limite. Juntar-me a este clube, um dos melhores do mundo, vai dar-me essa oportunidade.” Patel vê ainda mais além, sobretudo pelo impacto mediático. “O Sunil vai trazer para a Índia muita atenção da comunidade internacional do futebol.”
A contratação do capitão da selecção indiana (57 jogos e 33 golos) não custa nada ao Sporting. O clube assinou uma parceria com a Football One, agência que pertence à Wizcraft International – empresa ligada sobretudo à indústria de Bollywood (até organiza os Óscares e os Grammy indianos). No negócio está incluída a transmissão dos jogos do Sporting B na Índia. No futuro, o projecto pode incluir ainda a equipa principal, além de alargar a cobertura televisiva à China.
Para o clube português, que já está presente nos Estados Unidos, em Angola, na Arábia Saudita e na China, é mais um meio de afirmação internacional e uma forma de atrair investimento estrangeiro. Para o futebol indiano, que continua à procura da primeira presença num Mundial (já falhou a qualificação para 2014), que está longe das melhores selecções asiáticas, é um passo para o crescimento. Entusiasmo e paixão não faltam. É assim desde Gandhi.