“Cronometragem electrónica nos Jogos Olímpicos. Cronometragem e fotografia simultânea dos participantes. Uma ideia brilhante!”, escreve um famoso jornal sueco neste mês de Julho de 1912. A preferência pelo assunto é fácil de perceber: a Suécia é anfitriã dos Jogos Olímpicos pela primeira vez. Depois de Atenas, Paris, St. Louis e Londres, chegou a vez de Estocolmo. E os suecos resolvem estrear-se em grande com a introdução de novas tecnologias, pela mão de um senhor chamado Ragnar Carlstedt. Ainda se fala em fracções de segundos, a cronometragem não vai além dos décimos e a primeira experiência de photo-finish é apenas uma fotografia a preto e branco onde os juízes tentam descobrir uma cabeça mais à frente do que as outras.
Às inovações junta-se a recém criada Associação Internacional de Federações de Atletismo, pronta para registar os tempos dos atletas e os possíveis recordes. Esperam-se muitos, claro. A tecnologia só não consegue resolver um problema, o da detecção das falsas partidas. Uma delas acontece numa das meias-finais dos 100 metros. Sinal de partida e eles lá arrancam. O primeiro a alcançar a linha de chegada é um jovem norte-americano chamado Donald Fithian Lippincott, mas eis que terminada a prova o informam que a vai ter de repetir. Houve mais uma falsa partida.
Donald lá se prepara para repetir o feito. Linha de partida e o Estádio Olímpico de Estocolmo (que sobreviverá mais uns 100 anos) fica calado, em expectativa. O rapaz de 18 anos até nem era para estar aqui. Entrou no ano passado para a Universidade da Pensilvânia e deu nas vistas como sprinter, mas não produziu nenhum tempo extraordinário. Felizmente para ele, alguns membros do comité norte-americano acharam que ele merecia uma oportunidade. “Podes ir, mas terás de ser tu a pagar a tua própria viagem até Estocolmo”, avisaram. Juntou-se a resistência da mãe, que temia separar-se do seu bebé, o mais novo de três irmãos. Com o naufrágio do Titanic dois meses antes, os receios da senhora Lippincott faziam-na rejeitar a ideia. Só que alguns antigos alunos da Penn, a universidade de Don, resolveram ser generosos e pagar as passagens do rapaz para a Suécia.
Ele lá seguiu como suplente, mas, provavelmente por uma questão de fé de alguém do comité, Donald foi mesmo o escolhido para correr os 100 e os 200 metros. E cá está ele na linha de partida, pronto para fazer história. Sinal do juíz e lá vai ele à frente, tão rápido que chegado ao final fez um recorde histórico. 10 segundos e 3/5, dizem os juízes da Associação de Federações. Mais precisamente 10 segundos e seis décimos, um recorde que se manterá durante os próximos nove anos. Durante 20 anos, os recordes não-oficiais não tinham passado dos 10,8 segundos. Falava-se apenas em três homens que teriam feito menos do que isso (Knut Lindberg, Emil Ketterer e Richard Rau), mas tudo carecia de confirmação oficial. Agora Lippincott faz história: torna-se o homem mais rápido do mundo e logo numa meia-final! A assistência fervilha de entusiasmo pela final, onde os outros principais candidatos são os norte-americanos Ralph Craig e Alvah Meyer.
Lippincott cruza-se com Meyer na meia-final dos 200 metros e ultrapassa-o mesmo nos últimos metros, deixando-o de fora na final (em 1912, as regras ditam que apenas o primeiro classificado de cada eliminatória passa à final). Mas Meyer traz uma vingança preparada para a final dos 100 metros, onde não admite ficar para trás. Fez 10,7 segundos na sua meia-final e quer agora reduzir para ultrapassar Lippincott. Sinal de partida e… corrida interrompida. As falsas partidas sucedem-se, devido aos nervos. À nona é de vez e eles lá seguem, com o homem mais rápido do mundo entre eles. Numa das mãos leva bem apertada uma rolha, para aliviar o nervosismo. Talvez seja o cansaço, ou talvez a falta de experiência, mas Don não aguenta e termina a prova em terceiro lugar, fazendo 10,9 segundos. À sua frente estão Craig e Meyer, cada um com um tempo bem abaixo do seu tempo na meia-final (10,8 e 10,9 segundos, respectivamente).
Restam os 200 metros para Lippincott se redimir perante a assistência. Com Meyer eliminado na meia-final, Donald só fica atrás de Ralph Craig por apenas um décimo, conseguindo a prata. Uns dias depois, Donald atravessa o Atlântico para voltar para casa. Não leva consigo nenhuma medalha de ouro, mas leva o título de “Homem mais rápido do mundo”, e esse será seu durante nove longos anos. Agora ninguém acredita que seja possível fazer um tempo ainda mais rápido do que o de Lippincott, mas daqui a 96 anos um jamaicano chamado Usain Bolt conseguirá fazer menos um segundo do que a marca do norte-americano. Até lá, Donald pode contentar-se com as capas dos jornais nos EUA. “Lippincott, atleta da Penn, cria recorde mundial”, diz um título. E o que diz lá dentro? “Correu a distância num maravilhoso tempo de 10 e 3/5 segundos.”