A cimeira europeia de 28 e 29 de Junho está a incendiar a Alemanha. O ambiente de hostilidade aos anunciados apoios dos mecanismos europeus às dívidas soberanas de países sob pressão dos mercados, como Espanha e Itália, e as facilidades prometidas ao resgate da banca espanhola aumenta todos os dias. A tempestade ainda agora começou, mas ameaça seriamente o governo de Berlim e pode levar Angela Merkel a recuar ainda mais no seu já mitigado apoio às muito vagas conclusões da última cimeira europeia. A reunião do Eurogrupo de segunda-feira será, com certeza, um teste importante à forma como o governo alemão vai reagir à violenta tomada de posição de 172 economistas que ontem divulgaram um manifesto contra mais ajudas da Alemanha aos países em dificuldades na zona euro.
As decisões tomadas recentemente em Bruxelas “farão sofrer os nossos filhos e netos”, escrevem os economistas no manifesto, que é um apelo contra as ajudas a outros países da zona euro, criticando, sobretudo, as decisões da última cimeira.
O manifesto é assinado, nomeadamente, pelo director do Instituto de Economia de Munique, Hans-Werner Sinn, que defende há muito tempo a tese de que as medidas para estabilizar a moeda única prejudicam a Alemanha.
Merkel forçada No documento afirma-se que a chanceler Angela Merkel foi “forçada” a aceitar no Conselho Europeu da semana passada ajudas directas aos bancos europeus e compra de dívida soberana dos países do euro através dos fundos de resgate. Sinn tem alertado que o banco central alemão (Bundesbank) tem uma exposição de 500 mil milhões de euros a outros bancos centrais europeus, e não receberá esta verba, se a união monetária se desmoronar.
“Estamos numa armadilha”, disse o professor de economia, citado pela edição electrónica do semanário “Der Spiegel”.
Os economistas alemães advertem, sobretudo, contra a planeada união bancária, que consideram “uma forma de assumir colectivamente as dívidas dos bancos do sistema do euro”.
Como estas dívidas são o triplo das dívidas contraídas pelos Estados, as chamadas dívidas soberanas, “é impossível os contribuintes, pensionistas e aforradores dos países da Europa que ainda são financeiramente sólidos responsabilizarem-se por essas dívidas”.
O apelo é assinado também pelo ex-director do Instituto de Economia de Berlim (DIW), Klaus Zimmermann, por Bernd Raffelhueschen, da Universidade de Freiburgo, e por Walter Kraemer, um reputado especialista em estatística.
Os subscritores referem ainda que os países mais endividados da moeda única têm uma maioria estrutural no Conselho Europeu, e se os países financeiramente sólidos concordarem com a mutualização das dívidas dos bancos, “serão permanentemente sujeitos a pressões para aumentar as respectivas somas”.
Chanceler nega A chanceler alemã, Angela Merkel, já rebateu as críticas de dos economistas. “Não se trata de forma nenhuma de assumir responsabilidades comuns, e por isso todos devem olhar bem para essas decisões e só depois dizer o que de facto lá está”, disse a chefe do governo alemão ontem em Berlim.
Baviera ameaça O manifesto dos economistas segue-se a uma ameaça do principal parceiro do partido de Merkel tornada pública logo após a cimeira de Bruxelas. A CSU da Baviera não fez a coisa por menos e ameaçou mesmo deixar o executivo de Berlim se forem feitas mais concessões financeiras a países europeus em dificuldade.
Classificada como a derrotada da cimeira europeia da semana passada, durante a qual a Alemanha acabou por aceitar propostas defendidas por Espanha e Itália para minimizar os problemas das crises da dívida e da banca, com vista a salvar a moeda única, Merkel ficou sob fogo na política interna alemã, com a imprensa repleta de críticas e farpas à chanceler.
O argumento mais relevante veio do governador da Baviera, Horst Seehofer, que também lidera a CSU (União Social Cristã). “Chegará a altura em que o governo bávaro e a CSU não serão capazes de continuar a dizer que sim. E eu pessoalmente também deixarei de poder apoiar esta política”, declarou Seehofer, numa entrevista à revista “Stern”, frisando que, sem o apoio do seu partido, a coligação deixa de ter maioria.
Autoridade em perigo De acordo com o jornal “Frankfurter Allgemeine”, “o nervosismo é grande dentro da coligação” e “a autoridade da chanceler está em perigo”. Não sendo a primeira vez que Seehofer ameaça a estabilidade do acordo CDU-CSU – o líder bávaro é conhecido pelas suas posições “combativas” que muitos consideram ser nada mais do que uma forma de populismo –, desta vez está-se no limite, refere o mesmo responsável. “O facto de outros quererem o nosso dinheiro sem exigirem muito de si próprios é profundamente humano, mas não resolve nenhum problema”, argumenta Seehofer, acrescentando: “O meu maior receio é que os mercados se questionem: será a Alemanha capaz de lidar com tudo isto? Este é o ponto que eu considero o mais perigoso de todos.”
A CSU defende, tal como outros políticos, comentadores e analistas germânicos, que Merkel deve explicar aos contribuintes alemães a razão de ter recuado nas suas posições durante o Conselho Europeu. É pelo menos dessa forma que o mundo olhou para a decisão alemã de aceitar que os bancos fossem refinanciados directamente pelos fundos de socorro da União Europeia. “Nós estávamos a debater o pacto de estabilidade no Bundestag e, precisamente nessa altura, os líderes de alguns governos europeus trabalhavam numa maneira de suavizar os critérios de estabilidade. Quem é que pode compreender isto?”, prossegue Seehofer.
Terça-feira, a justiça alemã deverá pronunciar-se sobre a contestação, feita por parlamentares da direita conservadora e também pela esquerda, ao funcionamento e regras do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) – o fundo de socorro que os líderes europeus conceberam para ajudar a resolver a crise do euro. O caso está nas mãos do Tribunal Constitucional, em Karlsruhe, que deve decidir se as competências do parlamento foram ou não respeitadas nas negociações que o governo tomou em mãos a nível europeu para constituir o Mecanismo Europeu de Estabilidade.