Fàbregas. “Mamma mia, que España!”


Buffon segreda ao ouvido de Casillas enquanto lhe dá uma palmada amigável no peito. Balotelli está descontraidíssimo, diz qualquer coisa em voz alta e David Silva, companheiro do italiano no Manchester City, ri-se desalmadamente. Pirlo está sério mas tem de contrair os lábios para evitar o sorriso malicioso quando vê Piqué aos saltos. Sergio Ramos…


Buffon segreda ao ouvido de Casillas enquanto lhe dá uma palmada amigável no peito. Balotelli está descontraidíssimo, diz qualquer coisa em voz alta e David Silva, companheiro do italiano no Manchester City, ri-se desalmadamente. Pirlo está sério mas tem de contrair os lábios para evitar o sorriso malicioso quando vê Piqué aos saltos. Sergio Ramos dá um berro para o ar e Cassano faz-lhe o sinal de silêncio. O túnel do Estádio Olímpico de Kiev é uma paródia e nem parece ser a final de um Europeu.

Pedro Proença apita para o fim. Cinco ou seis suplentes espanhóis entram em campo e abraçam-se a Torres e Mata. Acto contínuo, aparece Buffon a cumprimentá-los. Uma medalha de campeão para ele, se faz favor. Dois segundos depois, é Pirlo quem interrompe a festa. Uns quantos saltos depois, vê-se Balotelli a dirigir-se a Sergio Ramos para um caloroso abraço, meia dúzia de palavras e troca de sorrisos cúmplices, uns menos amarelos que outros. O meio-campo do Estádio Olímpico de Kiev é uma fraternidade e nem parece ser a final de um Europeu.

Passam-se uns minutos e o relvado é o Toys”R”Us. Pepe Reina vai buscar as gémeas à bancada central. Imitam-no Albiol, Arbeloa, Torres, Sergio Ramos (sobrinha) e por aí fora. A filha de Torres está confusa – mantenho a boneca na mão ou troco-a pela taça? – enquanto corre para a baliza onde o pai marcara o 3-0 e oferecera o 4-0 a Mata. Os jogadores aplaudem os adeptos e deixam-se fotografar em grupos. Os do Real Madrid (Casillas, Xabi Alonso, Sergio Ramos, Albiol e Arbeloa), os do Barça (Valdés, Piqué, Jordi Alba, Xavi, Iniesta, Pedro e Fàbregas), os do Chelsea (Mata e Torres) e os capitães (Casillas + Xavi). No meio do relvado, os miúdos estão hipnotizados pelos confetti prateados. A festa é deles, só deles, e nem parece ser a final de um Europeu.

A zona mista é mais ou menos a mesma história. Os italianos são aplaudidos pelos espanhóis. Pirlo é o porta-estandarte do vice-campeão europeu. Da estreia profissional aos 16 anos de idade, num Brescia (Cadete a suplente)-Reggiana (Futre a titular), até Kiev, vai uma grande volta. Pirlo percorre todas as etapas possíveis e imagináveis desse Maio de 1993 até Julho de 2012 entre vitórias e derrotas. A de ontem é uma vitória. Porque a sua paciência é ilimitada para as mesmas perguntas de uma fila interminável de jornalistas italianos. Se não fosse o morder do lábio inferior a cada resposta pausada, nem parecia que perdera a final de um Europeu.

Chegam os espanhóis, tarde e a más horas. É a festa. Aaaah, agora sente-se a final do Europeu. Os jogadores saem aos pulos, animados, a cantarolar. Selecções como França e Inglaterra saem cedo do Euro-2012 mas os seus comentadores televisivos deixam-se ficar por terras polacas/ucranianas. Do lado francês, Robert Pires. Do inglês, Martin Keown. Companheiros de equipa daquele Arsenal invencível de 2003/04. Quer um quer outro esbanjam simpatia. Quer um quer outro riem-se quando o tema é a batalha do buffet. What? É verdade, quem julgasse que Inglaterra estaria imune às cenas pouco edificantes entre futebolistas está muito enganado. Muito mal enganado, como diria o outro.

Em Outubro de 2004, na pátria do fair-play (que é Inglaterra, segundo eles nos asseguram peremptoriamente), um Manchester United-Arsenal é salpicado, senão mesmo encharcado, de casos fora do relvado. No meio dos desacatos (joelhada de Henry a Heinze e Ashley Cole e Van Nistelrooy quase ao murro), há um incidente memorável. Há uma fatia de pizza que voa e aterra na cara de Alex Ferguson, imagine-se?! Lá se vai o Armani e a (já escassa) boa disposição, além do apreço nulo pelo cuidado catering do United. Durante anos e anos, a pergunta é simples: quem tem a lata de atirar uma fatia de pizza ao treinador mais titulado de sempre?

A autobiografia de Ashley Cole, datada de 2006, iliba qualquer inglês ou francês. “A partir daqui, tirem as vossas conclusões”, escreve o lateral-esquerdo, então a jogar no Arsenal. Assim é complicado. Temos Lehmann (alemão), Lauren (camaronês), Touré (costa-marfinense), Ljungberg (sueco), Edu (brasileiro), Reyes (espanhol) e Bergkamp (holandês) no onze do Arsenal.

Robert Pires, sempre ligado ao telemóvel com os dois polegares a dar a dar, ajeita as calças e silêncio. Sorriso largo e mais silêncio. De 2004 a 2012, são oito anos. Já chega de segredo, não? Pires reage. Com outro sorriso e mais um sms. Daqui não nos safamos.

Cruzamo-nos com Martin Keown. Hello para aqui, hello para ali e quem, quem é o autor do escandaloso momento de Old Trafford? Fàbregas. Quem? “Garanto-te, Fàbregas. A pizza voou de um lado ao outro. A ideia era acertar no Van Nistelrooy mas ele desviou-se e Sir Alex apanhou-a mesmo a jeito. Nem imaginas o silêncio momentâneo que se fez no túnel entre jogadores, treinadores, massagistas, seguranças. Convergimos todos os olhares em direcção ao atirador e parámos no Fàbregas. Só com 17 aninhos!” O suplente Fàbregas, então.

De volta a 2012, Kiev. Os espanhóis saem do balneário e falam pelos cotovelos. Fàbregas, um dos sete magníficos que jogam a final do Euro-2008, do Mundial-2010 e do Euro-2012, está à disposição dos jornalistas. Sorridente, claro. Com Pirlo, temos medo de perguntar sobre a estreia oficial no Brescia. É um grande salto temporal e até desinteressante a avaliar pela sua cara tristonha. Com Fàbregas, é diferente. Podemos perguntar-lhe tudo, não é? Até confirmar se foi ele quem atirou a pizza… Um roupeiro da selecção espanhola pisca-nos o olho. Fàbregas fica aéreo, pensativo e sai-se com esta: “Mamma mia, que España!” E sai de cena. Airosamente, acrescentamos nós. O mesmo roupeiro pisca-nos o olho, outra vez. É um tique? Não, é um toque de atenção. “Inocente até prova em contrário.”

Em Kiev, Ucrânia