Dulce Félix. Quando os 10 000 metros são um exercício de isolamento


“Vinte e cinco voltas é um longo caminho e tive de me manter forte e concentrada.” A frase é da britânica Jo Pavey, a primeira das últimas nos 10 000 metros, mas pode aplicar-se a qualquer uma que aceite o desafio de correr a distância mais longa em pista. Às tantas, a prova torna–se num…


“Vinte e cinco voltas é um longo caminho e tive de me manter forte e concentrada.” A frase é da britânica Jo Pavey, a primeira das últimas nos 10 000 metros, mas pode aplicar-se a qualquer uma que aceite o desafio de correr a distância mais longa em pista. Às tantas, a prova torna–se num exercício de rotina. São sempre as mesmas quatro curvas, começa-se a decorar quem está nas primeiras filas das bancadas e o responsável pela campainha que alerta a última volta parece fitar com um olhar de gozo, como que dizendo que ainda falta uma eternidade para cumprir a sua tarefa.

São 25 voltas. Nem mais nem menos. Para Dulce Félix, foram 25 voltas que lhe valeram o título de campeã europeia em Helsínquia aos 29 anos. Para a atleta natural de Azurém (Guimarães), foi também um exercício de isolamento.

As primeiras voltas são como uma forma de soltar o corpo e perceber quem tem realmente algum interesse em conquistar uma medalha. É como o período inicial no futebol em que o cliché manda dizer que as equipas estão num período de estudo. E foi assim no primeiro quilómetro. E no segundo. Até ao sétimo, altura em que a portuguesa decidiu que estava farta de estudar e que era altura de atacar. “Quando tomei a liderança, pensei que alguém viria atrás de mim, mas ninguém o fez”, contou a atleta já a saborear um título europeu que escapava a Portugal desde 2006, ano em que o luso-nigeriano Francis Obikwelu subiu ao lugar mais alto do pódio nas finais dos 100 e dos 200 metros.

O ataque surgiu precisamente depois do quilómetro mais lento, quando a irlandesa Fionnuala Britton atingiu a marca dos 6000 metros depois de duas voltas e meia em 3 min 14 s 24.

O ritmo não interessava a Dulce Félix e era altura de atacar. Sem ninguém a acompanhar. No total, foram mais de dez voltas num isolamento que só era quebrado quando dobrava atletas mais atrasadas. Estava em Helsínquia, no estádio que tem uma estátua de Paavo Nurmi (um dos Finlandeses Voadores, que conquistou nove medalhas de ouro olímpicas divididas entre os Jogos de Antuérpia-1920, Paris-1924 e Amesterdão-1928) à entrada, mas era ela que voava rumo à coroação final.

A vantagem sempre foi segura mas nem por isso deixou de temer que lhe acontecesse o mesmo que a Sara Moreira na final dos 5000 metros: “Ninguém veio atrás de mim, mas ainda assim, no sprint final, tive de olhar por cima do ombro para ver onde estavam as outras.” Não havia motivo para preocupações: a britânica Jo Pavey chegou com quase cinco segundos de atraso, seguida da ucraniana Olga Skrypak. Fora das medalhas ficou a irlandesa Fionnuala Britton, que tinha batido Dulce Félix nos Europeus de Corta-mato. A veterana Ana Dias (36 anos) terminou em sétimo e Leonor Carneiro juntou o décimo ao recorde pessoal – 33 min 05 s 92.

O surpreendente quarto lugar de Hélio Gomes nos 1500 metros – a cinco centéstimos do bronze – chegou a fazer Portugal sonhar com mais um pódio, mas o balanço final saldou-se mesmo com três medalhas: o ouro de Dulce Félix (10 000 metros), a prata de Patrícia Mamona (triplo salto) e o bronze de Sara Moreira (5000 metros).