A Itália está na final do Euro-2012. Há três semanas, poucos acreditariam que fosse possível. A selecção transalpina, orientada por Cesare Prandelli, chegou à Polónia e à Ucrânia feita em cacos. Parecia obedecer à lei de Murphy, em que tudo o que pode correr mal, correrá mesmo. De 28 de Maio a 1 de Junho, o futuro italiano ficou tão negro que havia até quem pensasse que não valeria a pena disputar o Euro-2012.
Tudo começou com o escândalo da viciação de resultados. Uma investigação da polícia italiana chamada “Última Aposta” deteve 14 pessoas e entre os suspeitos estava o central italiano Domenico Criscito. O nome causava maior impacto porque era um dos pré-convocados de Prandelli para a prova. “É uma história devastadora”, lamentava Giovanni Trapattoni, seleccionador da Irlanda e adversário da squadra azzurra no Europeu. “Se estão a fazer alguma coisa em relação a isso, é porque há um fundo de verdade na história. Estamos a dar ao nosso futebol uma imagem feia.”
De mãos atadas, a Federação Italiana de Futebol teve de agir, declarando que o central não seria convocado para a fase final, apesar de ser visto como “inocente até prova em contrário”. Além de Criscito, também Leonardo Bonucci, outro central, estava na lista da polícia mas, ao contrário do compatriota, não sofreu qualquer sanção e acabou por viajar com a equipa.
O ambiente fora do campo não estava famoso mas isso não significava necessariamente que a prova fosse correr mal. Quem o dizia? O passado. O denominador comum dos títulos mundiais de 1982 e de 2006 era precisamente o escândalo interno. Em 1980, foi o Totonero, que envolveu Milan, Lazio, Perugia, Bologna, Avellino, Taranto e Palermo e levou à suspensão do goleador Paolo Rossi durante três anos. Contudo, o castigo foi atenuado e o avançado ainda foi a tempo de jogar o Mundial de Espanha, em 1982, e tornar-se uma das figuras da prova, com o título de melhor marcador – seis golos. O Calciocaos veio em 2006. Entre outras coisas, a Juventus desceu de divisão mas na Alemanha, no Mundial, a selecção de Marcelo Lippi bateu toda a concorrência e sagrou-se campeã depois do desempate por grandes penalidades frente à França.
O que tinha 2012 de diferente então? O mau desempenho dentro de campo. A 1 de Junho, na recta final da preparação, a Itália foi humilhada pela Rússia (0-3). Sem argumentos para se bater com os russos, os adeptos começaram a pensar que a vergonha era inevitável. Afinal, estavam muito longe da verdade.
Grande surpresa No grupo C com Espanha, Croácia e Irlanda, os italianos tinham boas possibilidades de passar, mas o jogo inaugural com a campeã europeia e mundial e o segundo com a Croácia obrigavam a equipa de Prandelli a não errar.
Não só não errou, como surpreendeu. A exibição contra a Espanha, num jogo apelidado por muitos como o melhor do Euro-2012, não deixou margem para dúvidas: trabalho é trabalho, conhaque é conhaque. A equipa tinha sido humilhada pela Rússia? Sim. O escândalo deu uma imagem feia do futebol italiano? Sim. Isso interessava alguma coisa? Não. A Itália conseguiu roubar a bola à Espanha num esquema com três centrais e De Rossi a fazer de líbero. Surpreendentemente, estiveram melhor no jogo e poderiam mesmo ter ganho, não fosse o golo de Fàbregas numa altura em que os italianos tinham o jogo relativamente controlado.
A partir daí, a forma como os especialistas viam a Itália mudou. Um novo empate, com a Croácia, trouxe de novo à baila a tradição italiana de deixar tudo para a última mas, como em tantas outras ocasiões, a evolução durante a prova foi sempre em crescendo: vitória sobre a Irlanda, nos penáltis com a Inglaterra depois de um jogo em que encostou o adversário à baliza e, nas meias-finais, mais uma exibição convincente frente à todo-poderosa Alemanha, já com o antes criticado Mario Balotelli a mostrar que também tem uma palavra a dizer.
De um momento para o outro, tudo mudou. A final de domingo vai ser a reedição de um jogo da fase de grupos pela terceira vez na história dos Europeus (Alemanha-Rep. Checa em 1996 e Portugal-Grécia em 2004) e terá frente a frente uma selecção que está no topo desde 2008 e outra que renasceu das cinzas e está a viver uma segunda vida.
Antonio Cassano representa a Itália na perfeição, já que também o avançado do Milan está a ter uma segunda oportunidade. A 30 de Outubro do ano passado, o jogador apresentou queixas de que não conseguia falar correctamente e a 2 de Novembro o Milan anunciou que o futebolista tinha sido internado devido a uma isquemia cerebral causada por um problema de circulação local do sangue no coração. “Tive medo de morrer e, depois disso, pensei na possibilidade de deixar o futebol”, afirmou. Mas não deixou e a 25 de Abril regressou aos relvados contra o Genoa. Agora, pouco mais de dois meses depois, sonha com a conquista do título europeu de selecções. Também ele, como a Itália, renasceu das cinzas. Falta saber se em Kiev, com Pedro Proença a apitar, a Espanha alinha na festa.