As maravilhas de andar à deriva
Sequelas. Ou o que dizer sobre a ganância no cinema. Geralmente o melhor é fugir de repetições de histórias porque os (bons) filmes devem deixar em suspenso apenas o desejo de nos encontrarmos novamente. A excepção: alguns filmes de animação. As sequelas da “Idade do Gelo” estão definitivamente nessa lista de elite. Este é já o quarto filme da série e, contra todas as probabilidades, é uma sequência de novidades. A estética e os efeitos visuais são irrepreensíveis mas a coisa não se fica por aí já que a história é coerente e dinâmica e são raras as vezes que conseguimos desviar o olhar do ecrã – tenhamos mais ou menos que palmo e meio.
O mamute Manny, a preguiça Sid e o tigre Diego vivem mais aventuras juntos, desta vez com a separação dos continentes à mistura. Imagine só de quem é a culpa. Nem a propósito, Scrat, o esquilo em constante perseguição da bolota, vai pontuando a história com as trapalhadas a que já nos habituou. De resto, os diálogos são consistentes e os momentos de humor bem concretizados, a roçar o genial. As mensagens de esperança estão lá assim como de amor, entreajuda e amizade mas sem esborratar o que está à volta. Há ainda outras personagens que se juntam à história como a avó de Sid e um grupo de piratas que – logo verá – completam o elenco de desenhos bem animados. Por Maria Espírito Santo
Os putos não estão nada bem e, ainda assim, divertem-se
Começa esta recuperação de “Rua Jump 21” – a série televisiva da década de 80 sobre uma equipa policial infiltrada em escolas, universidades e afins universos juvenis -– e damos por nós no meio de um enredo ao estilo “Já Tocou”, com baile de finalistas, broncos e cromos no liceu à mistura. Não, esperem, afinal estes adolescentes já são crescidos e vão alistar-se na esquadra mais próxima da sua área de residência. Mas, de repente, perseguem meliantes como se não percebessem nada do assunto; na essência são parvos e isso, enquanto polícias, não lhes fica nada bem. Mas com tanta confusão, porque é que ainda estamos a ver isto? Porque tem piada, porque de repente, soltamos gargalhadas enquanto pensamos “como é que é possível?”. E tudo estaria bem se fosse assim até ao fim da fita, mas não é. O que de facto vemos é um insistente desfiar de lugares comuns, revemos os romances de sala de aula mais a paixão nunca correspondida, o bonzinho e o tipo tramado, as festas quando os pais não estão em casa e palavrões como se não houvesse amanhã e sem grande razão para isso. Uma espécie de “American Pie” com tiros à mistura, é o que é, e com Channing Tatum no elenco, que raramente é coisa boa. Johnny Depp, o herói da Rua Jump 21 original, aparece lá pelo meio como que a querer dar um carimbo de qualidade e legitimidade ao filme em questão. Nem por isso conseguiu. Por Tiago Pereira
O saloon intemporal de um Alentejo spaghetti
O piso do cinema feito por cá é sempre escorregadio, de tal forma que mesmo quando a estrada parece macia como esta, o que poderia acautelar quedas e suas mazelas, as contrariedades no capítulo da produção adoram atravancar o caminho. “Estrada de Palha” esteve para ficar pela modesta versão de curta-metragem, mas a carolice da reduzida equipa desafiou obstáculos e garantiu-lhe vida longa. Viajamos ao cenário do Alentejo do início do século XX, em vésperas da implantação da República, terreno minado de ditadores rurais, corrupção, disputas de poder e salteadores afectos a cartilhas anarquistas. Seguimos no encalço de Alberto um emigrante, ou auto-exilado nos confins do mundo há mais de dez anos, que aprendeu a sonhar nas folhas dos livros, e regressa à aldeia natal em busca de justiça depois da morte do irmão. Uma aventura solitária em jeito de western com partida da gelada Lapónia e chegada a uma paisagem árida onde a “Desobediência Civil” de Henri David Thoreau, mote para os intertítulos que permeiam o filme, ainda não fala, nem se escreve, em língua portuguesa. A acompanhar estes tempos de transição sem grande espaço para mudanças reais, a banda sonora original assinada por The Legendary Tiger Man e Rita Redshoes, que combinaram instrumentos como o “marxophone”, “violin-uke”, já debitados ao vivo em formato de cine-concerto. Por Maria Ramos Silva