Miúdo para aqui, miúdo para ali, miúdo, miúdo e mais miúdo. É sempre a mesma coisa, já não há respeito pelo nome próprio. Hey, chamo-me David Villa. Ou então, ouve lá, o meu nome é Fernando Torres. Falamos dos avançados espanhóis mais goleadores da última década, todos eles com ramificações profissionais a Portugal.
Comecemos por David Villa, El Guaje (miúdo na língua asturiana), o herói de Espanha no Mundial-2010 antes de aparecer Iniesta a decidir a final com a Holanda nos últimos minutos do prolongamento. A derrota com a Suíça no jogo inaugural cria fantasmas à volta da campeã europeia. É aí que aparece Villa, o abre- -latas com Honduras (2-0), Chile (2-1), Portugal (1-0) e Paraguai (1-0). Agora lesionado, Villa cede o lugar da selecção a Fernando Torres, el Niño (castelhano).
Ora bem, o passado do The Kid (adaptação à versão inglesa, garantida a sua contratação pelo Liverpool ao Atlético Madrid) tem mais ligações a Portugal que o plano semanal de voo da Ibéria a Lisboa. Começa há 11 anos, no Torneio do Algarve-2001. Portugal convida Inglaterra, Finlândia e Espanha para o torneio quadrangular. Ganham os espanhóis, com Torres a marcar nos três jogos: um golo aos ingleses (2-1) no Estádio Capitão Josino da Costa, dois aos finlandeses (4-0), no Estádio de Lagos, e mais um aos portugueses (1-1), em Portimão. Nessa tarde de 27 de Fevereiro, o guarda-redes é um tal Hugo Ferreira, então no Boavista e agora no Nybergsund, da 2.a divisão norueguesa. “Cruzamento da esquerda e ele concluiu dentro da área. Já aí não era um jogador exuberante, mas sim sério e compenetrado”, lembra.
Com quatro golos, Torres é não só o melhor marcador da prova como o melhor jogador. “Passei a época lesionado e estava com receio de não ser convocado para esse torneio que servia de rampa de lançamento para o Euro sub-16 em Maio desse ano, mas Juan Santisteban e Armando Ufarte deram-me a oportunidade e aproveitei-a.” E de que maneira. No tal Europeu, Torres volta a arrecadar os títulos de melhor marcador (sete golos em cinco jogos) e jogador, além de decidir a final com a França (1-0), de penálti.
“Quando cheguei a Madrid era a loucura”, conta o avançado espanhol no seu site. “Todos me conheciam na rua e estreei- -me nos sub-18.” É verdade, e onde? No Complexo Desportivo Monte da Forca, em Vila Real, com Portugal na qualificação para o Europeu. Postiga marca primeiro (19’), mas a Espanha reage como gente grande (3-1) e Torres bate Moreira no último minuto.
“Poucos dias depois, o Futre [director desportivo do Atlético Madrid] telefonou–me a dizer que ia pôr-me na equipa principal e fazer a pré-época com os seniores. Isso foi a uma terça-feira, treinei-me com eles na quarta, fui convocado no sábado e estreei-me no domingo, com o Leganés, no Calderón. Foi a 27 de Maio de 2001.” Desse onze faz parte um tal Hugo Leal. “Era tímido mas valente. Sabia-se que ia dar que falar”, recorda.
Calma que isto não acaba aqui. Em Setembro de 2003, Iñaki Saez chama Torres para a selecção AA. O objectivo é estreá-lo no D. Afonso Henriques, de Guimarães, com Portugal. Bem dito, bem feito. Naquele sábado à noite do dia 6, a Espanha dá um banho de bola (3-0) e Torres é titular ao lado de Raúl. Na primeira pessoa: “Raúl e Cañizares deram-me todas as condições para me sentir bem no meio daquele frenesim. Encarei o jogo com muita garra mas recebi patadas atrás de patadas. Saí antes do intervalo.” Culpa do capitão Fernando Couto, que de uma assentada agride Torres na linha lateral, trata mal Tristán e ainda se dirige a Casillas com maus modos.”
A relação Torres-Portugal voltaria a dar sinais de si no Euro-2004. No Estádio José Alvalade quem ganhar passa, quem perder volta para casa. Torres joga ao lado de Raúl mas é o suplente Nuno Gomes quem decide (1-0). “Aos 20 anos estava ali a jogar um Europeu. Que sonho! Quando Portugal marca só ouvi o silêncio dos nossos adeptos e dos meus companheiros. Estávamos rotos. Demorei alguns dias a cair em mim.”
Mais tarde vingar-se-ia na sua casa emprestada, em Anfield. Em Novembro de 2007, dois golos a Helton (FC Porto) no 4-1 para a fase de grupos da Liga dos Campeões. Em Abril de 2010, para os quartos-de-final da Taça UEFA, mais um 4-1 e outro bis, este a guarda-redes diferentes do Benfica: primeiro Júlio César, depois Moreira, o mesmo de 2001. E hoje, miúdo, como é?