“A Íntima Farsa”. A crise contada e cantada por JP Simões


É razão para festejo. A peça de João revelou-se um sucesso e há mais do que bons motivos para celebrar. Está tudo aí: a mulher, o champanhe, a música e os amigos. Então porque é que continua taciturno, eternamente afogado em problemas? A crise é a resposta, essa que arranja lugar para morar em cada…


É razão para festejo. A peça de João revelou-se um sucesso e há mais do que bons motivos para celebrar. Está tudo aí: a mulher, o champanhe, a música e os amigos. Então porque é que continua taciturno, eternamente afogado em problemas? A crise é a resposta, essa que arranja lugar para morar em cada um de nós. Este é apenas um vislumbre de “A Íntima Farsa”. A peça de teatro escrita (e tantas vezes cantada) por JP Simões chega esta quinta-feira ao Teatro São Luiz, em Lisboa.

João é escritor, tem sucesso mas vive numa insatisfação constante. A mãe morreu, nunca conheceu o pai e é hoje, sentado na cadeira de um psicanalista, que vira a vida do avesso. Desejos, sonhos, memórias e frustrações atropelam-se numa viagem à cabeça do homem. “Era menos fácil de traduzir, mas a ideia inicial centrava-se numa sessão de psicanálise em que o personagem ia contando os seus sonhos e problemas, que apareciam em forma de arquétipos da literatura, como Hamlet ou Édipo”, diz JP Simões sobre o espectáculo a que se poderá assistir até ao final desta semana. “Digamos que aquilo que nos define é mais fácil de ver de uma vez por todas em meio episódio da National Geographic que em praticamente toda a história da literatura perdida”, conclui.

Foi num concerto no teatro, mais precisamente no Jardim de Inverno, que tudo começou. JP relembra como Jorge Salaviza, na altura director do teatro, lhe elogiou o espectáculo e garantiu que estavam abertos a qualquer sugestão do artista. “É assim que se vai ganhando a vida”, brinca. “Passado uma semana deixei-lhe um guião com uma ideia para uma peça de teatro musical.” Entretanto o tempo passou, o teatro mudou de direcção mas houve quem se recordasse da proposta de JP. Assim se recuperou “A Íntima Farsa”. Vítor Hugo Pontes foi o encenador convidado, que trabalhou com JP Simões para pôr a ideia em prática. Uma ideia de que o autor já perdeu a raiz: “Não consigo dizer precisamente o motivador, o gerador para a peça”, confessa. “Mas ocorreu-me na altura que uma crise como a que estamos a viver agora, de indefinição de valores e dificuldades patéticas a nível global, depois tem o seu palco dentro de uma pessoa. Foi mais ou menos o que quis fazer, uma microcrise interna que simbolizasse a exterior.”

Esta não é a primeira experiência no teatro do músico, que em 2004 escreveu a “Ópera do Falhado”. Cerca de oito anos depois apresenta, novamente, uma história musicada.

Do enredo aos diálogos passando pelas canções e até ao papel principal, é tudo responsabilidade de JP, que é João, a personagem central desta história. Fazer teatro não está muito longe de fazer música, defende: “As minhas canções também falam de imensos personagens que não são eus precisos.” E apesar de o palco ser um lugar familiar ao cantor e compositor, não o é no papel de actor. Confessa, de olhos pregados no chão, que não está habituado à disciplina que o trabalho exige. Um trabalho que, por outra parte, lhe permite também sair do mundo onde vive enquanto músico. “De estar imenso tempo enfiado em casa a sonhar com fantasmas, a escrever coisas e canções, de repente passei a fazer isso com um grupo de pessoas a trabalhar num objectivo comum.”

E se JP sobe ao palco para interpretar um mundo criado por si, isto não quer dizer que se trate de um retrato autobiográfico. O encenador Vítor Hugo Pontes explica: “O que vemos é a construção de uma persona. Convém que seja real e credível, é uma ficção construída a partir dele, JP.”