Itália. Maldição inglesa volta a ter um penálti à Panenka


Bem-vindo ao mundo do futebol como ele nunca foi. Esqueça a Inglaterra vertical, dos passes longos e da filosofia directa à baliza. Esqueça a Itália fechada em si mesma, mais preocupada com o seu guarda-redes do que com o adversário. Bem-vindo ao Euro-2012, a competição onde os preconceitos se desfazem. Se estamos numa de destruir…


Bem-vindo ao mundo do futebol como ele nunca foi. Esqueça a Inglaterra vertical, dos passes longos e da filosofia directa à baliza. Esqueça a Itália fechada em si mesma, mais preocupada com o seu guarda-redes do que com o adversário. Bem-vindo ao Euro-2012, a competição onde os preconceitos se desfazem.

Se estamos numa de destruir ideias pré-concebidas, temos de começar por Mario Balotelli. Bom, aqui não há muito por onde enganar. O avançado do Manchester City é transparente, num segundo sorri como uma criança, no outro grita como um louco. Por isso há colegas a tapar-lhe a boca. Por isso é titular na selecção italiana mesmo criando problemas.

Quem vê a Premier League está habituado aos grandes golos, nascidos em remates tirados de uma qualquer cartola. Todos abrimos a boca de espanto, como quem não acredita no que está a ver. Pois bem, esqueça a liga inglesa e olhe para Daniele De Rossi, médio da Roma. Aos quatro minutos, o futuro herdeiro da braçadeira de Francesco Totti acerta de primeira na bola, no meio da rua. Ela voa, voa, voa e bate no poste. Uhhhhhhhhhhhhh, como fazem os adeptos em Inglaterra.

O início do jogo é uma loucura. No minuto seguinte, James Milner cruza na direita e Glen Johnson – sim, o lateral – aparece a dois metros de Gianluigi Buffon. O remate é mau, com pouca força e quase para o meio da baliza, mas o reflexo do veterano italiano também deslumbra. A mão esquerda segura a bola e o zero-zero.

Até aqui está tudo dividido. A bola anda em pingue-pongue, de um meio-campo para o outro. Um dia depois de um desequilibrado Espanha-França, sabe bem ver um jogo assim. Mas a sensação não dura muito mais. A Itália agarra-se cada vez mais ao ataque, a Inglaterra deixa-a à vontade. O campo inclina-se, o perigo aparece. Vem aí Balotelli, claro. Estamos no minuto 25. O passe é de Riccardo Montolivo. Mario arranca no limite do fora-de-jogo, enquanto a defesa demora a reagir. Mas deslumbra-se e recebe mal a bola. Quando vai para rematar tenta uma espécie de chapéu, que John Terry desvia e destrói.

A via Montolivo-Balotelli repete-se sete minutos depois, só que o avançado insiste em produzir pouco. Desta vez sai um pontapé fraco, digno de um miúdo. Na jogada seguinte, Danny Welbeck combina com Wayne Rooney e atira por cima. Depois disto, sim, é só Itália. Cassano arrisca a sorte, mas Hart dá uma palmada e completa a defesa à segunda (38’); assiste Balotelli, de cabeça, só que Joleon Lescott aparece para cortar (41’); e Balotelli dispara um míssil que faz um voo rasante à barra (43’).

O intervalo é uma bênção para a Inglaterra. “Somos como onze bulldogs, que não desistem por nada, que trabalham sempre no limite e que morrem em campo uns pelos outros.” A frase é de Ashley Cole, lateral do Chelsea e da selecção. Por esta altura, os ingleses só ladram – e bem longe da baliza. Não mordem ninguém. Correm muito, quase sempre atrás da bola. Mas quem pensa o jogo é a Itália, sobretudo pela cabeça de Andrea Pirlo, rica em ideias criativas.

Montolivo também é um rapaz inteligente. Começam nele muitas das jogadas de perigo. Como aos 48 minutos, quando devolve a bola à área inglesa de cabeça. De Rossi está lá sozinho, em boa posição para marcar. Bem pior é o que faz com o pé esquerdo – um remate que entra para a galeria dos mais desastrados do Euro-2012. Mesmo assim, ninguém se fica a rir dele. Ei-lo pouco depois a disparar de longe, para uma defesa complicada de Hart. Tão complicada que a bola sobra para Balotelli, cuja recarga o guarda-redes também pára. A terceira tentativa é de Montolivo, que chuta para fora.

O que é feito da eficácia italiana? Os remates sucedem-se, os falhanços também. O mais vistoso é de Balotelli, aos 60’. Recebe a bola no peito, de costas para a baliza, com Terry a encavalitar-se nele. Lescott e Steven Gerrard ajudam a formar um cerco. Mario quer lá saber, vira a bicicleta e cá vai disto (também para fora). A Inglaterra só se aproxima do golo quando Rooney decide imitá-lo: Cole cruza, Andy Carroll toca de cabeça e Wayne aposta na acrobacia (por cima).

Pedro Proença chama pelo prolongamento, são mais 30 minutos de futebol. Perdão, 30 minutos de Itália, já com novos intervenientes. Antonio Nocerino e Alessandro Diamanti roubam protagonismo a Balotelli. Aos 101’, o segundo faz um cruzamento (ou remate) que ninguém desvia – só o poste. Nocerino até marca de cabeça (115’), depois de uma assistência de Diamanti, mas Bertino Miranda topa-o e assinala fora-de-jogo.

Bom, restam os penáltis. Montolivo remata ao lado, mas Pirlo tem um truque na manga. Marca à Panenka, como Postiga em 2004 (fazia ontem exactamente oito anos), mesmo a chamar pela maldição inglesa. No penálti seguinte, Ashley Young acerta na trave! E como Buffon defende o de Cole (também Ashley), o golo de Diamanti dá a vitória e as meias-finais à Itália. Bem-vindo ao mundo do futebol como ele tem sido.