Quando Roy Hodgson ganha o primeiro título como técnico (campeão sueco pelo Halmstads em 1976) ainda nenhum jogador italiano deste Europeu nascera. Aliás, nem o próprio seleccionador Cesare Prandelli começara a jogar futebol, quanto mais. Vem isto a propósito do Itália-Inglaterra de domingo. Do alto dos seus 64 anos, Hodgson é uma velha raposa (agora a mais matreira depois da saída de Trapattoni) e já conhece os cantos à casa. Da maneira de ser dos italianos, queremos dizer.
Sim senhor, Hodgson tem um passado com a Itália. Ou melhor, dois. Ambos no Inter de Moratti, o primeiro entre Outubro-95 e Maio-97, o outro entre 5 de Maio e 27 de Junho de 1999. Já pertence ao século passado, é verdade, mas Hodgson guarda memórias engraçadas desses tempos. “Quando assinei pelo Inter sabia mais ou menos o tipo de vida que ia encontrar, mas aquilo que passei era mil vezes pior. Eles [italianos] vivem o dia-a-dia em euforia ou tragédia, o suficiente para levar o homem mais são deste mundo à loucura. Sabia muito bem que não passaria despercebido em Itália e que passar da selecção da Suíça para o Inter era um passo gigantesco na escala social mas “aquilo” era… A simples compra de um champô durava horas. As pessoas tratavam-me como se me conhecessem há dois anos!”
Quando chega a Milão, em Outubro de 1995, o Inter já foi eliminado da Taça UEFA pelo Lugano (da Suíça!) e está em nono lugar, a seis pontos do líder, Milan. Na primeira conferência de imprensa, Hodgson diz ao que vai: “Não sou o homem dos milagres. Só houve um nestes últimos 2 mil anos.” O começo é complicado. Ao empate com a Atalanta (1-1) segue–se uma mudança abrupta de táctica, para o puro 4-4-2 inglês e marcação à zona. “Tive medo, por exemplo, de o capitão Beppe [Bergomi] não querer adaptar-se ao meu esquema. Afinal ele tinha ganho o Mundial-82 e fora a vida toda um central a marcar o avançado. Eu queria que ele passasse a marcar à zona e como lateral direito. Ele aceitou isso muito bem!”
Mas como é que expôs as ideias? “Não falava italiano. Eu falava em inglês ou francês. Um director traduziria mas ele era tímido e não dizia as coisas com entoação. Acabámos por recorrer a uma inglesa, namorada de um jogador! O presidente [Massimo Moratti, o mesmo de hoje] disse-me então que o melhor era falar italiano com uma série de erros do que nem sequer tentar. Tinha razão.”
As derrotas em Pádua, então o último classificado, e depois em Turim incendiaram os ânimos dos adeptos. Moratti aparece na televisão e critica o estilo de Hodgson. “Italian culture, o que se pode dizer? Para aqueles, o normal é aquilo. Contestei Moratti, mostrei-lhe as minhas credenciais, disse-lhe os meus números mas ‘no use’.” O pior nem é isso ou os resultados. É quando Roberto Carlos sai para o Real Madrid. No esquema 4-4-2, o brasileiro joga muito à defesa, quando havia marcado quatro golos em quatro jogos antes de Hogdson chegar. “Eu gostava de ir lá à frente mas este treinador não me deixa”, queixa-se o lateral. Hodgson desinteressa-se de Roberto Carlos e aposta no obscuro Felipe Centofanti. “Só sou um empregado do clube. É preciso ser ingénuo para pensar que um treinador tem influência directa nos negócios de uma equipa de futebol. Eu aqui, por exemplo, tenho de falar com três ou quatro pessoas antes de chegar ao presidente e aos jogadores.”
A segunda época (96/97) começa bem mas quando entorta nunca mais se endireita. O campeonato é da Juventus e é eliminado da Taça de Itália nos penáltis pelo Nápoles. Na Europa perde a final da Taça UEFA para o Schalke 04 em pleno Giuseppe Meazza. Nos penáltis, outra vez. É a equipa reforçada por Angloma, Simeone, Winter, Djorkaeff, Zamorano e Kanu. Os adeptos assobiam-no. No estádio lê-se um cartaz enorme: “Hodgson go home.” É o que faz. “Treinar é uma alegria, aqui é uma prisão”, desabafa o treinador. Que voltaria ao Inter para fazer os últimos três jogos da época 1998/99. Balanço positivo: um empate e duas vitórias, incluindo o memorável 5-4 à Roma. Na despedida abraça-se a Moratti no meio-campo e saem juntos do campo. Domingo, o regresso a Itália, mas, tranquilo, Roy, não há sequer um interista nesta azzurra.
Em Varsóvia, Polónia