Espanha ou França? Comme ci, comme ça,nos da igual


A bola desvia em João Moutinho e vai até à cabeça de Mario Gómez. 1-0 para a Alemanha. É uma sequela do filme que vivemos em 2008 e dois anos antes. Os fantasmas regressam, desta vez logo no início da competição. A derrota confirma os receios de quem viu Portugal falhar nos jogos de preparação,…


A bola desvia em João Moutinho e vai até à cabeça de Mario Gómez. 1-0 para a Alemanha. É uma sequela do filme que vivemos em 2008 e dois anos antes. Os fantasmas regressam, desta vez logo no início da competição. A derrota confirma os receios de quem viu Portugal falhar nos jogos de preparação, de quem acredita mais na força das favoritas Alemanha e Holanda. Mas nem tudo é mau. Ficam sinais positivos, uma consistência que dura 72 minutos, uma reacção final que impõe respeito aos adversários que estão para vir.

Portugal ganha à Dinamarca, um pesadelo das duas últimas fases de qualificação, mesmo sem convencer em absoluto. Vence de novo, agora com uma laranja desesperada no relvado e podre no balneário. Contrariando as expectativas iniciais, a selecção nacional apura-se para os quartos-de-final. O jogo com a Holanda significa ainda a resposta de Cristiano Ronaldo. Alguém chamou por ele? Sim, faz-nos falta. E ele aparece, com duas bolas aos postes e duas na baliza.

Pelo caminho, Paulo Bento confia em Postiga e a manifestação pública de apoio ao jogador dá um golo no dia seguinte. O seleccionador reforça-se enquanto líder e a equipa também cresce com isso. Portugal melhora a cada partida, como um produto em constante actualização. As versões mais recentes são sempre melhores, mais adultas, mais preparadas para o momento seguinte. A selecção aprende a viver com as suas falhas e dá-lhes a volta. Começa por ter problemas em criar lances de perigo, mas torna-se uma ameaça.

A chave para a mudança está em Ronaldo, mais empenhado, mais influente, mais decisivo. O capitão tem 30 remates em quatro jogos, mais que a Dinamarca, a Inglaterra, a Rep. Irlanda e a Grécia fizeram na fase de grupos e tantos quantos a Croácia. Chuta de onde quer, como bem entende. É o jogador mais perigoso do Euro-2012. É o melhor.

As meias-finais, pela quarta vez em seis participações, revelam o peso de Portugal. Aliás, apenas a Alemanha faz melhor – em dez presenças esteve sete vezes entre as quatro melhores equipas. A Espanha, possível adversário para quarta-feira, tem três meias-finais em sete aparições. A França, o outro candidato a defrontar Portugal, tem quatro em sete.

Esta parte da história é-nos favorável, mesmo que de pouco valha. Prova sobretudo que somos capazes de produzir mais (resultados) com menos (matéria-prima). A outra parte do passado diz-nos que Espanha e França são bichos-papões que se têm alimentado da nossa desgraça. Por isso qual deles preferir para as meias-finais? A resposta mais confiante está no título deste texto: “Comme ci, comme ça, nos da igual.” As mais racionais vêm a seguir.

ESPANHA Conquistou a Europa há quatro anos, com um futebol de passe curto e em constante movimento. Dominou os adversários pelo cansaço, levou-os ao desespero, por se verem incapazes de recuperar a bola, por se sentirem numa ratoeira quando a tinham. O sufoco espanhol destruiu a concorrência. Como o Europeu não chegava, fez o mesmo no Mundial. Mudou o treinador (Vicente del Bosque no lugar de Luis Aragonés), manteve-se a filosofia, que ao mesmo tempo servia de base ao crescimento da dinastia de Guardiola no Barcelona. Em 2010, a Espanha foi forçada a recuperar a humildade com a derrota do primeiro jogo (Suíça, 0-1). Nos oitavos-de-final encontrou Portugal e não perdoou, mesmo que o golo de David Villa tenha ficado manchado pelo fora-de-jogo. De 1-0 em 1-0, ganhou ao Paraguai, à Alemanha e, na final, à Holanda.

Entretanto, a lei do tiki-taka desapareceu na liga espanhola, onde se impôs o Real Madrid de José Mourinho e Ronaldo. No Euro-2012, a selecção espanhola tem sido mais previsível. O estilo é o mesmo, evoluiu pouco. A maior diferença está na frente, com a intermitente presença de um ponta-de-lança fixo ou de um médio mascarado de avançado. Mesmo assim, um duelo com a Espanha implica uma dose excepcional de concentração, acima de tudo a defender. Os glutões da posse de bola também dificultam a aproximação à baliza de Iker Casillas. Ou seja, há que melhorar a eficácia, um aspecto do jogo no qual Portugal tem falhado – em média tem precisado de 12 remates para marcar um golo.

Por outro lado, a experiência do último encontro entre vizinhos ibéricos dá a Portugal a convicção de que tem as armas necessárias para ganhar à Espanha. A goleada (4-0) no Estádio da Luz expôs as fragilidades dos campeões, como a Argentina (4-1) já tinha feito dois meses antes. Além disso, a memória do Euro-2004 (1-0, golo de Nuno Gomes no último jogo da fase de grupos) também traz um sorriso. E depois de tanto venerar Cristiano Ronaldo ao longo das últimas três épocas, os espanhóis têm agora motivos para o temer.

FRANÇA A derrota com a Suécia (0-2) criou mal-estar no balneário francês. O seleccionador Laurent Blanc pegou-se com Ben Arfa. Alou Diarra irritou-se com a falta de apoio dos jogadores mais avançados à defesa – e a carapuça serviu a Samir Nasri, que decidiu responder-lhe. De repente, a vergonha do Mundial-2010 pairou de novo sobre a equipa, que desta vez até tinha começado bem a prova.

Se a Espanha joga com um falso nove, a selecção francesa tem um nove falso. Karim Benzema inverte a lógica de Del Bosque com Cesc Fàbregas: sai da posição original para vir atrás, pega no jogo e distribui pelos colegas. A 30 ou 40 metros da baliza, esta França é uma equipa culta e trabalhada. No último terço do campo falta-lhe outra presença. De certa forma, inspira-se no modelo espanhol, embora esteja num patamar inferior (e diferente) de evolução. Também por isso, é uma realidade mais desconhecida.

Ainda assim, estamos a falar da selecção que mais vezes (três) eliminou Portugal numa grande competição – Euro-1984, Euro-2000 e Mundial-2006. Estamos a falar de um adversário com quem perdemos oito vezes nos últimos oito jogos, a quem não ganhamos há 37 anos. Jogar contra a França é remexer uma ferida profunda, aberta por Michel Platini e Zinedine Zidane, que só vai sarar com uma vingança. Com Rui Pedro Silva

Espanha-França, este sábado, às 19h45,

SIC e Sport TV1