Há qualquer coisa com os laterais franceses. No Mundial-98, um golo do croata Suker cala os franceses nas meias- -finais no Stade de France. E quem dá a volta? Zidane, Henry, Trezeguet, Dugarry? Non, non, non et non. É Thuram, autor da reviravolta com dois golos sensacionais, o último deles a deixá-lo numa pose filosófica sentado no relvado.
Catorze anos antes, um outro lateral francês faria história no futebol francês. Para mal dos nossos pecados. Ambiente indescritível em Marselha, com 50 mil pessoas a encher o Vélodrome a três horas do início da meia-final do Euro-84. De um lado, a selecção anfitriã liderada por um soberbo Platini, até então autor dos sete golos, todos eles, incluindo dois hat-tricks consecutivos! Do outro, o outsider Portugal, com muitos bigodes (Bento, Eurico, Álvaro, Frasco e Chalana).
Num jogo escaldante, as coisas não nos começam a correr de feição. Aos 24 minutos, o lateral esquerdo Domergue, quiçá o menos mediático jogador de uma França recheada de artistas, surpreende Bento e abre o marcador na transformação de um livre directo superiormente marcado, quando todos julgavam ser apontado pelo maestro Platini.
A reacção lusitana é imediata mas o empate só chega aos 74 minutos, num extraordinário golpe de cabeça de Jordão, a cruzamento da esquerda de Chalana. Vamos a prolongamento, então. Neste, o avançado do Sporting reincide e põe Portugal em vantagem, num remate picado após novo centro de Chalana, este da direita. Nené, por pouco, não faz o 3-1 só com o guarda-redes Joel Bats pela frente, e a partir daí Portugal limita-se a defender a vantagem.
Penosos os últimos minutos, sem conseguirmos segurar a bola e a defendermos cada vez mais atrás. A cinco minutos do fim, outra vez Domergue (só dois golos internacionais na carreira!) a bater Bento numa jogada confusa dentro da área, com Platini a ser derrubado antes do 2-2. No último minuto, é a vez de Platini vestir a pele de herói. O autor moral do golo até é Tigana, que finta três portugueses antes de Platini rodopiar sobre si mesmo e evitar o desempate por grandes penalidades.
No final do jogo, Platini não só elogia Bento (“nunca vi um guarda-redes defender tanto”) como ainda pede licença aos dirigentes da UEFA para falar com o árbitro Paolo Bergamo e oferece-lhe a camisola. “Disse-me que muita gente lhe pedia a camisola como souvenir mas que aquela teria muito gosto em oferecer-ma. As suas palavras tiveram um significado imenso para mim. Ainda hoje tenho essa camisola guardada”, conta o árbitro. No lado português, o seleccionador Fernando Cabrita é um romântico incurável. “Estou tão cansado e emocionado… Há anos e anos que não via um jogo assim. No fundo, no fundo, ganhou o futebol. Felicito a França por nunca ter abandonado os seus ideais de jogo ofensivo para chegar à final de Paris com justiça.”
Em Varsóvia, Polónia