Jordão dá o mote aos oito minutos do prolongamento das meias-finais do Euro-1984 contra a França. Chalana é um brinca na areia do lado direito do ataque, mas consegue deixar o adversário para trás e cruzar ao segundo poste. Aí, o goleador do Sporting remata de primeira com o pé direito: a bola vai directa ao solo mas levanta e faz um pequeno chapéu a Jöel Bats. É este o primeiro momento digno do género na história da selecção. Mas não é o único. Quem não se lembra do golo de Rui Costa contra a Irlanda que dá o apuramento para o Euro-1996? Ou do toque subtil de Figo sobre Schmeichel num particular entre Portugal e Dinamarca? Pelo meio há ainda o autogolo de Jorge Andrade com a Holanda em 2004 – Ricardo bem se esticou mas a trajectória era caprichosa – e, claro, o de Poborsky, o chapéu que tem passado pela mente de checos e portugueses nos últimos dias, desde que o jogo dos quartos-de-final desta noite, em Varsóvia, ficou definido.
Os tempos são outros e ninguém acredita que a simples memória do jogo de 1996 possa afectar o que quer que seja. João Moutinho foi o porta-voz dos jogadores na conferência de imprensa de antevisão ao jogo e fez questão de salientar precisamente isso: “Não me lembro muito bem do que se passou em 1996, tinha dez anos. Lembro-me melhor do que se passou em 2008 [3-1 na fase de grupos], em que estive presente. Seja como for, memória é passado, temos é de nos concentrar no jogo de amanhã [hoje].”
A concentração pode tornar-se complicada quando os temas principais das perguntas continuam a ser tudo o que está relacionado com Cristiano Ronaldo. O jogador do Real Madrid não estava na sala em Varsóvia mas foi como se nada disso interessasse. E, convém dizer, desta vez foram os jornalistas estrangeiros que tentaram saber de tudo e mais alguma coisa. Assim que o porta-voz da UEFA deu início ao evento, foram duas questões seguidas. À primeira, João Moutinho ainda não sabia o que aí vinha, mas não esperou sequer pelo fim da tradução para português para soltar um “já percebi… sobre o Cristiano Ronaldo ter tanta atenção” baixinho para Onofre Costa, director de comunicação da Federação Portuguesa de Futebol. “É natural que Ronaldo seja o grande foco de atenção mas está na equipa para nos ajudar, o objectivo que temos é partilhado por todos”, garantiu.
Prova superada? Não, nova pergunta, de alguém que parecia ter descoberto a pólvora: “Qual é a fraqueza de Ronaldo? De que é que tem medo?”. “Não lhe consigo apontar um ponto fraco. É um excelente líder, joga bem de cabeça, com os dois pés, tem velocidade. É simplesmente um grande jogador, o melhor do mundo, e põe todo o seu talento em prol da equipa. Felizmente para nós, temos um jogador como ele.”
Prova superada? Nem por isso, afinal de contas Moutinho tinha acabado de dizer que Ronaldo era o melhor do mundo. “O que o faz melhor que Messi então?” O jogador do FC Porto decide pôr em prática o que Paulo Bento diria mais tarde (“Há jogadores vocacionados para defender, outros para atacar e outros ainda que conseguem conciliar as duas coisas”) e jogou à defesa: “Ronaldo e Messi são os melhores jogadores do mundo. Escolho o Ronaldo porque é completo em todos os sentidos. Messi também o é mas são jogadores diferentes. Se tivesse de escolher, diria Ronaldo.”
Prova superada? Sim, finalmente. O médio teve ainda tempo para elogiar o adversário – “é uma equipa altamente motivada que vai fazer tudo para tentar ultrapassar Portugal” – e dar mais um voto a favor da introdução de novas tecnologias, realçando a importância na linha de baliza.
Paulo Bento é o freguês que se segue. Como não poderia deixar de ser, há uma pergunta sobre Ronaldo, mais uma vez da imprensa estrangeira, lembrando as declarações do presidente do Barcelona, Sandro Rosell, ao colocar Ronaldo como 12.º melhor jogador do mundo, logo a seguir ao onze da equipa catalã. Reacção? O seleccionador não só reagiu à alfinetada como aproveitou para dar mais uma achega aos críticos da selecção: “Todos temos um momento para dizer coisas que não devemos dizer. Tocou ao presidente do Barcelona desta vez, não mais do que isso.”
Então e o jogo, que é aquilo que realmente interessa? “A estratégia não vai mudar em função da utilização de Rosicky ou não, não abdicaremos de nada em fundação disso”, “não acredito que a República Checa tem vantagem pelo dia extra de descanso” e “as duas equipas estão na mesma situação, nenhuma tem margem para errar.” Em dia de aniversário, Bento confessou que “o grande desejo é que a felicidade seja para todos os portugueses e transformar esta alegria pessoal numa alegria colectiva” e mostrou-se mais uma vez irredutível na defesa dos jogadores: “Quando não os puder defender mais, pego no trólei e [estalou os dedos] vou-me embora”.
Independentemente da defesa ou não do grupo, espera-se que a selecção tenha mesmo de pegar no trólei mas para viajar para Donetsk, onde a 27 de Junho poderá defrontar a Espanha ou a França. E, que a haver chapéus, sejam como os de Jordão. Ou de Rui Costa. Ou de Figo.
Rep. Checa-Portugal, 19h45, RTP1 e Sport TV1