O congresso histórico de Jerónimo de Sousa


É a primeira vez que acontece o PCP reunir o congresso estando comprometido com a sobrevivência do governo em funções. É preciso recuar a 1975 e ao governo de Vasco Gonçalves para ver os comunistas identificados com um executivo. É evidente que toda a semiótica comunista tenta fazer a quadratura do círculo. Formalmente, não existe…


É a primeira vez que acontece o PCP reunir o congresso estando comprometido com a sobrevivência do governo em funções. É preciso recuar a 1975 e ao governo de Vasco Gonçalves para ver os comunistas identificados com um executivo.

É evidente que toda a semiótica comunista tenta fazer a quadratura do círculo. Formalmente, não existe uma coligação e o governo é do PS, e isto chega para a demarcação quando é preciso – embora este tenha sido, naturalmente, o congresso comunista em que o governo ouviu menos críticas.

Os comunistas não funcionam como os outros partidos: enquanto na convenção do Bloco de Esquerda subiram à tribuna vários militantes a atacar o acordo feito com o PS, no conclave comunista isso não aconteceu – embora tenha acontecido durante os debates das teses que o partido levou ao congresso, que decorreram nos últimos meses.

E foi o congresso não da substituição – como alguns dirigentes comunistas desejaram – mas da consagração de Jerónimo de Sousa, que ficará para a história como o líder mais carismático do PCP a seguir a Álvaro Cunhal. Cunhal era o rosto do combate contra a ditadura e da transição para a democracia, do PREC e da institucionalização do PCP, do fim do Muro de Berlim e da emergência dos críticos e das cisões.

Jerónimo é o líder que entrou no PCP já com a democracia. A mitologia de Cunhal está profundamente ligada a uma distância que o secretário-geral do PCP sempre cultivou – aliada a um culto de personalidade que sempre negou, mantendo-o. Com Jerónimo, é o oposto: a sua atração e eficácia política está precisamente no facto de ser um líder próximo das pessoas – um homem que, na realidade, está igual desde os tempos em que entrou no parlamento com a condição de operário.

Afetuoso onde Cunhal era frio; capaz de usar a linguagem popular, enquanto Cunhal tinha o peso da origem de classe. Quereriam os dois, da mesma maneira, a aliança com o PS? É uma questão que ficará para a história. O congresso histórico de Jerónimo de Sousa Ana Sá Lopes EDITORIAL