Os professores dizem que não desistem dos alunos e que são felizes dentro de uma sala de aula. Mas hoje, dar uma aula a uma turma «não é fácil. É tentar fazer o pino para que os alunos aprendam qualquer coisa». Este é o retrato do dia a dia numa sala de aula que a professora de Matemática do 5.º e 6.º ano (2.º ciclo) Helena Mendes desenha ao SOL.
Com alunos na mesma turma com vários graus de aprendizagem e de dificuldades, com alguns que já chumbaram de ano, torna-se «muito difícil» a ginástica que os professores têm de fazer entre dedicar o seu tempo aos alunos com menos conhecimentos e conseguir cumprir o programa da disciplina.
A dificuldade é partilhada por vários professores de diversas disciplinas e anos de escolaridade. É o caso de Rui Cardoso, professor do 4.º ano de escolaridade que diz ter uma rotina «surreal» que implica planificar todos os dias a mesma aula de «forma diferenciada». É que Rui Cardoso ensina alunos que chegaram ao 4.º ano e «não compreendem nada do que leem» numa turma que tem a dificuldade acrescida de ter alunos com necessidades educativas especiais (NEE).
São estes alunos que ocupam a maior parte do tempo dos professores na sala de aula. «Em 90 minutos de aula, mais de 30 minutos são dedicados a estes alunos», diz Helena Mendes, que frisa que ainda assim esse tempo «não é suficiente porque o grau de dificuldade dos alunos é grande».
Também Rui Cardoso refere que «dois terços das 25 horas semanais de aulas são dedicados apenas aos alunos com dificuldades». Mas, continua Helena Mendes, «se não dedicar esse tempo aos alunos com mais dificuldades a aula deixa de fazer sentido» até porque «em Matemática a matéria é dada em escada».
As diferentes estratégias
Na gestão de tempo há professores que acabam por chegar a uma encruzilhada: ou continuam a apoiar os alunos ou avançam na matéria para cumprir os programas, que dizem ser «exten-
sos» e não prejudicar os melhores.
«Há alturas em que sei que dois ou três alunos não têm a matéria consolidada, mas tenho de prosseguir porque comprometo o resto da turma», confessa Helena Mendes.
Já Rui Cardoso garante que não deixa «ninguém para trás» de forma a que os alunos «consigam ter o mínimo de conhecimentos para aguentar o 5º ano». O resto da turma é «treinada a trabalhar e a estar sozinha» na sala de aula.
Mas há escolas e professores que seguem estratégias diferentes para recuperar alunos. No Agrupamento de Carcavelos os alunos são agrupados dentro da sala de aula. Os professores «organizam os alunos por ilhas e vão propondo exercícios diferentes a cada grupo», explica ao SOL o diretor do agrupamento, Adelino Calado. Em cada uma das ilhas podem estar alunos do mesmo nível de aprendizagens, ou não. «Depende de cada turma e de cada disciplina. Não há uma receita», explica Adelino Calado.
E esta estratégia, sublinha Adelino Calado –, apesar de dar «mais trabalho porque um professor tem de preparar dez aulas em simultâneo» – permite que «não haja repetentes há dez anos». Aqui, cumprir o programa das disciplinas torna-se secundário. «Cumprimos se os alunos conseguirem», diz o diretor.
‘Chumbos’ não afetam relações entre alunos
As diferenças nas aprendizagens e os ‘chumbos’ não afetam as relações entre os alunos da mesma turma. Pelo contrário, os professores ouvidos pelo SOL, salientam o «espírito de solidariedade e ajuda» entre os alunos. «Os alunos com melhores notas ajudam os outros com mais dificuldade», explica Rui Cardoso.
E há psicólogos que defendem que a retenção traz mais benefícios, face às passagens de ano com sete ou oito negativas.
Teresa Lobato Faria, psicóloga da criança e do adolescente no Hospital D. Estefânia, sublinha que o ‘chumbo’ pode ser «benéfico» para os alunos «que não acompanham as matérias» porque «permite consolidá-las e aumentar a segurança dos alunos».
É que se o aluno transitar de ano escolar pode sentir-se a «cauda da turma», o que «não é bom para a sua formação». Teresa Lobato Faria salienta que os alunos «sofrem imenso» com o ‘chumbo’, mas que a reação «depende muito dos pais, da escola e da idade e maturidade das crianças que podem até reprovar como forma de castigar os pais».