Mudança de lei na Caixa provoca tensão à esquerda

Mudança de lei na Caixa provoca tensão à esquerda


Governo quer alterar a lei para poder nomear alguns dos administradores que ficaram fora da lista para a CGD. Bloco e PCP estão contra


Perante a recusa do BCE em aceitar para a CGD oito gestores com funções noutros grupos, o governo quer alterar a legislação portuguesa para alargar o espetro de cargos acumuláveis. Mas esta intenção é vista com desagrado à esquerda, com PCP e Bloco de Esquerda a posicionarem-se contra alterações que aumentem as possibilidades de acumular cargos.

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, disse este fim de semana que “não resulta” fazer um “remendo legislativo” para contornar a recusa dos administradores não executivos da CGD, adiantando que os comunistas não vão apoiar o PS nessa medida.

Catarina Martins, coordenadora do BE, manifestou-se também contra eventuais alterações à lei. “O quadro político em que vivemos é diferente. É mais exigente, por escolha de quem votou em outubro. E nas circunstâncias em que vivemos hoje, ninguém compreenderia nenhuma legislação feita para permitir que A ou B fosse administrador de um banco ou legislação que permitisse maior acumulação de cargos”, afirmou, considerando que o país já tem administradores que cheguem.

A falta de apoio dos partidos que compõem a geringonça resolve-se evitando que a lei vá ao parlamento: o governo vai resolver o assunto por decreto-lei, sozinho, sem precisar de maiorias.

Mas a questão preocupante vem a seguir, apurou o i: no caso de os partidos da oposição pedirem a apreciação parlamentar do decreto-lei que o Ministério das Finanças vai agora fazer, o governo fica em dificuldades. E PCP e BE também, já que serão obrigados a opor-se ao governo que apoiam numa questão que nem sequer consideram central dentro do acordo que fizeram na sequências das legislativas.

Momento de tensão Vai ser um momento de tensão – sendo que há várias maneiras de tornear o assunto. Dificilmente a esquerda apoiará uma votação negativa proposta pela direita. E seria também curioso que uma votação negativa proposta pela esquerda contasse com o apoio da direita.

As reações de oposição à medida por parte de BE e PCP foram bem mais serenas do que as que vieram da direita. Os comunistas tornaram a manifestar desconforto com a interferência de instituições europeias como o BCE em assuntos de política nacional, não deixando, todavia, de criticar o processo de nomeação dos administradores selecionados pelo PS. “Qualquer alteração que vá no sentido de consolidar esta ideia de podermos ter no banco público um gestor que depois possa acumular com muitas outras responsabilidades, em áreas nomeadamente do setor privado, nós não estaremos de acordo com isso”, explicou o deputado Jorge Pires.

“Embaraçoso e humilhante” O BE também pretende uma lei que limite a acumulação de cargos. Mariana Mortágua veio dizer que “o Bloco defende uma lei que restrinja, discipline e limite o número de cargos que possam ser acumulados de forma transversal, tanto para o público como para o privado, mas não apoia uma lei que deixe tudo como está e permita a acumulação atualmente existente, e ainda crie por cima disso uma exceção para os administradores da CGD”.

A direita foi bastante mais dura com o governo. “Este processo é um autêntico manual de tudo aquilo que não deve ser feito e um hino à incompetência, à ligeireza e à displicência do governo. É embaraçoso e humilhante para o Estado português”, acusou Luís Montenegro, líder da bancada parlamentar do PSD. "A decisão do BCE atesta que a trapalhada que tem rodeado todo o processo de gestão da CGD teve um novo episódio e é também um chumbo ao próprio governo", rematou Montenegro.

Pedro Mota Soares, do CDS, sugeriu que o governo aproveite a oportunidade para diminuir o número de administradores da Caixa e não aumentar os salários. "Aumentar o número de administradores e aumentar o seu salário quando se está ainda a pedir tantos sacrifícios aos portugueses e se vai pedir sacrifícios aos trabalhadores da Caixa é um total contrassenso", sustentou o dirigente centrista. 

“É penoso que tenha de ser o BCE a impor o bom senso que o governo de Portugal manifestamente não teve”, afirmou ainda Mota Soares.

*Com Ana Sá Lopes