Ana Sofia Martins. “Eu não acredito em finais felizes porque a vida não é feita disso”

Ana Sofia Martins. “Eu não acredito em finais felizes porque a vida não é feita disso”


Tem a vida que escolheu. Sem tempos mortos. Quer voltar para Nova Iorque para estudar representação


 

Viveu quase 10 anos em Nova Iorque e um ano em Paris, a trabalhar na moda. Agora, nas ruas identificam-na como a Mara, a personagem que representa na novela da TVI “A Única Mulher”. Gosta da vida que tem, mas reivindica para si ser a Sofia, alguém que é muito diferente da criatura boazinha que encarna nas noites no ecrã. Não acredita em finais felizes na vida real, mas não abdica de fazer tudo para criar o caminho para a sua felicidade.

Como é trabalhar como personagem principal numa novela?

São 12 horas por dia, apesar de esta semana ter sido completamente atípica. Costumo entrar às sete e meia da manhã e sair depois das 19 horas. Esta semana entrei todos os dias às 13 porque temos saído à uma da manhã. Estive quase tentada a mandar-lhe um SMS a dizer “olhe, estou toda podre”, mas acordei muito bem-disposta e vamos à entrevista. 

E a vida pessoal? 

Não há vida pessoal, é impossível. Eu admiro imenso as pessoas que conseguem ter filhos, maridos e pais. 

Essas pessoas não as entregaram a outras famílias e a instituições de apoio social?

Não, há pessoas que, de facto, conseguem controlar a sua própria vida. Por exemplo, a Fernanda Serrano é uma supermulher, com quatro filhos, marido e os pais e consegue fazer aquilo tudo. Eu olho para ela com assombro, estou sozinha com namorado e já tenho uma imensa dificuldade…

Até porque ele também tem o tempo muito preenchido, jogando basquete em alta competição…

É verdade, tem um treino bidiário, faculdade em regime pós-laboral e, ainda por cima, tem de me manter feliz, que não é uma tarefa nada fácil. É uma missão. 

Provavelmente está explicado o tempo que ele ocupa nas outras coisas. 

Eu sou mesmo aquela pessoa chata. De manhã, quando ele está a dormir, eu acordo-o e digo-lhe: “Preciso que me faças isso mais aquilo.” E nem lhe dou oportunidade para me responder.

Post-its no frigorífico não funcionam?

Não porque ele não vê, ou finge que não vê (risos). Mas mando imensas mensagens durante o dia a dizer: “Então, já fizeste isto? E aquilo?” Mas eu gostava de ter um duplo, pelo menos para a minha vida pessoal. O duplo trabalhava por mim e eu andava por aí: esta era a altura ideal para eu viver a minha vida pessoal. Estou numa telenovela de grande sucesso, era a altura de conseguir estar mais com toda a gente que gosta do meu trabalho, mas não consigo aproveitar isso. Até inventei uma nova coisa que é a “selfie em andamento”, para tentar colmatar este problema. Quando as pessoas me pedem para tirar uma selfie, eu respondo-lhes, “só se for em andamento, porque tenho de ir daqui para aqui”, e lá vão as pessoas muito atrapalhadas a tirar comigo selfies em corrida. Selfie em andamento, trade mark da Ana Sofia Martins (risos). De resto, esta vida era tudo o que eu queria. Não posso-me queixar do prato cheio que tenho, porque era isto que queria. Foi isto que eu pedi. Queria uma vida agitada em que não tivesse tempo para ter vida, e agora não tenho. 

Mas porque queria isso?

Porque só assim é que consigo sentir--me útil.

Não consegue parar para pensar?

Não porque isso dá muito trabalho e muitas chatices. 

Porque é que dá muitas chatices?

Eu acho sempre que é melhor ir fazer do que pensar demasiado.

Não será porque tem medo de pensar?

Não, de todo. É um não pensar pensado. Na minha vida está tudo mais ao menos esquematizado: é uma impulsividade organizada. Eu já me sentia um bocadinho inútil como modelo: temos muitos tempos mortos, temos uma vida agitada q.b., mas depois é possível estarmos uma semana ou outra sem fazer nada. Começamos a sentir, “qual é a minha missão?” Ok, podes ler uns livros e tentar aproveitar o tempo morto. Podes fazer exercício. Ficava sempre a pensar, “o que é que estou a fazer para mim?” Mas se calhar é isso que está a dizer, não me apetece parar para pensar, ó psicólogo Nuno (risos). Se calhar, é terapia. 

Passamos aos eletrochoques? Acho que não consigo que fique com o cabelo mais espetado (risos).

A única parte que eu tenho saudades de ser só modelo são as viagens, foi à conta disso que viajei para grande parte do mundo. Tenho viajado muito pouco, a última vez que viajei para os Estados Unidos foi em 2013.

Recentemente não foi ao Dubai?

Sim, mas foi na minha semaninha de férias. Mas o Dubai não me encantou.

É mesmo isso que queria perguntar, como se sente a ir a um país onde as mulheres são consideradas criaturas de segunda ou terceira categoria?

Não me sinto cúmplice, porque fui ao Dubai visitar o meu melhor amigo, que foi obrigado a emigrar porque não havia em Portugal trabalho para ele. E tiro-lhe o chapéu. Ele recebeu o subsídio de desemprego um mês e disse “isto não é para mim.” É editor de moda, editou uma revista, tem o curso de jornalista. E não há nada em Portugal.

Que raio de profissão ele foi escolher, amoladores de facas têm mais futuro.

Agora é editor-chefe de uma revista de decoração das mais importantes, a “AD Architectural Digest”, na sua edição do Médio Oriente. E é um senhor, está a viver a vida que merece viver.

E o Dubai?

Uma pessoa como eu não consegue viver lá, não tem história, só lá há prédios altos. Depois há compras, e as compras não são para mim. As minhas amigas ficaram loucas por eu ir ao Dubai, queriam que lhes trouxesse meio mundo. Não trouxe nada para ninguém. Só um íman para o meu frigorífico. 

Chegou a ver as pessoas de lá ou ficou na bolha dos turistas ocidentais? A maioria das pessoas que vivem no Dubai são imigrantes muito pobres, os naturais de lá são ricos e poucos.

Cheguei, cheguei. Mas onde pensa que eu vi os naturais de lá? Foi no shopping, tinha de ver o máximo, criticar com critério. Aquilo não me convence. Há gente que adora aquilo, o tempo e o sol são fantásticos. Mas para mim é contraproducente, acho que países com um tempo demasiado bom tornam as pessoas preguiçosas.

Acha mesmo isso? De repente comecei a vê-la como a Merkel, o que é uma transformação assinalável. 

Não tem nada a ver com isso (risos), eu é que sei disso por experiência própria. 

É óbvio que se estiverem 50 graus, vai ter de adequar o seu metabolismo e a forma e as horas de trabalho à temperatura ambiente, senão morre…

Obviamente, por isso é que é contraproducente viver num clima assim. Quando há muito bom tempo, e não falo de 50 graus, as pessoas têm tendência a ir para a praia e a não quererem ir trabalhar.

Fala de Cabo Verde?

Não, no caso de Cabo Verde há também um conjunto de condições naturais, como a seca, que dificultam. Mas eu penso sempre assim: as condições naturais, nós não podemos controlar, mas as humanas dependem de nós. Por exemplo, África – e digo isto com o maior aperto no coração – está feita para falhar, a começar pela educação. As pessoas não estão formatadas para ter sucesso. Depois há algumas pessoas um bocadinho mais inteligentes, mas sem formação para os seus cargos, que se aproveitam. Vive-se uma situação generalizada de corrupção.

Em África há mais problemas que o clima e a corrupção: estudos sobre a fome demonstram que as políticas internacionais seguidas, muitas vezes ditadas por estruturas como o FMI, fizeram quadruplicar a fome desde os anos 70. 

A pergunta que devemos fazer é porque é que temos países, que eu mais uma vez não vou especificar, com gente muito rica ao lado de gente cada vez mais pobre. Em África vi coisas muito bonitas, mas também muitas coisas que me revoltaram. Como é que vou a Angola e tenho putos a pedirem-me água? Ninguém me pediu dinheiro, pediram-me água potável para beber. Angola, que tem tanta gente rica. Até eu, quando vou a uma loja [em Portugal], as pessoas, por acharem que sou angolana, tratam-me de maneira diferente. Como é tudo isso possível num país que tem de tudo? É um país que é tão bonito. Estive em Malanje, que é lindíssimo, estive em Luanda, nas cataratas, é tudo fantástico, e depois tens putos a pedir-te água, que é uma coisa que me revolta.

Apesar de tudo, em Cabo Verde é completamente diferente o nível de desigualdade.

É quase tudo igual, até porque é tudo mais pobre, não há assim riqueza por aí além. E é um povo mais humilde e que partilha mais as coisas. Eu lembro-me de ter ido a Cabo Verde e estar com uma rapariga que estava a fazer um curso de modelo e que tinha muito pouco, e de lhe ter dito “gosto tanto do lenço que tens na cabeça”, e ela tirou o lenço e deu-mo. E eu pensei: “Somos tão agarrados às coisas, nós, e esta miúda, com muito pouco, tem prazer em dar-me o que tem.” 

Chegou a viver em Cabo Verde?

Não, o meu pai é que viveu lá. Saiu há 30 anos e nunca mais regressou. E isso até me faz confusão. Quando vou lá, normalmente com o meu irmão, a família pergunta a razão por que o meu pai não regressa. E acho que é porque, no dia em que ele for a Cabo Verde, não volta mais a Portugal. E eu e o meu irmão estamos muito tentados, neste Natal, a oferecer–lhe uma viagem a ele e ao meu tio…

Para ele não voltar (risos).

Não, para tirar a prova dos nove. Eu não conseguiria viver lá, porque a minha vida não é aquilo, mas um dia que quisesse parar e dizer “estou farta, estou farta disto e das imposições do acting , da moda e da sociedade”, eu viveria em Cabo Verde. 

Mas sente-se de cá ou de lá? 

Um bocadinho de lado nenhum. Se me perguntar de onde eu me sinto mais, digo-lhe que me sinto de Nova Iorque, pois foi onde vivi mais tempo como adulta.

Conseguiu viver mesmo em Nova Iorque ou era uma bolha da moda? Eu li numa entrevista sua que combinava encontros com os amigos em frente da montra de um restaurante de luxo, só para imaginar como era. Quando um dia entrou, como é que foi?

Até que, de repente, passei a entrar e era completamente diferente, quase que dava vontade de ir para a varanda do restaurante, para ver quem é que estava em frente, a ter uma vida normal. Eu vivi na bolha nos primeiros anos, os meus agentes protegiam-me muito – o que era normal, eu tinha 16 anos –, mas depois já não quis viver na bolha. Sai do apartamento de modelos. Vivi em Brooklyn, numa zona não muito aconselhável de onde são os rappers, para ver como era – atenção, eu também sou da Outurela, não há muita coisa que me assuste. Depois vivi em Queens, num sítio onde havia mais brasileiros. Depois voltei para Manhattan e lá fiquei. Não posso dizer que vivi sempre na bolha.

Quantos anos esteve em Nova Iorque?

Mais ou menos 10 anos, vindo cá com regularidade. 

Estava lá no 11 de Setembro?

Não, fui para lá no 11 de Setembro de 2002, um ano depois. E quando abri a mala, tinha bilhetinhos que a minha madrinha tinha colocado a dizerem “espero que corra tudo bem”. E eu depois disse–lhe: “Se corresse mal e o avião explodisse, eu não tinha oportunidade de ler isto.”

Como era o dia?

Acordar muito cedo, ir logo ao ginásio, por volta das 7 já lá estava. Para às oito regressar e tomar banho, que os castings começam por volta das 9 da manhã. Depois são castings, castings, castings. Na altura da Fashion Week temos para aí 25 castings por dia e temos de andar de um lado para outro. Se for numa altura mais calma, temos para aí cinco, o que é bom. Eu gostava muito de ir para uma livraria que tinha um cantinho onde me deixavam lá ler. Ficava lá a fazer tempo entre castings. Depois ia à agência e lá me tiravam as medidas, que odiava. Pensava sempre: “Para trocar uma roupa, o que interessa se tenho menos um ou mais um centímetro?” Sempre foi uma coisa que me revoltou muito, mas tinha de aceitar, não era mais do que ninguém. Depois ia jantar com amigas, sempre tive facilidade em fazer amigas, mas nunca no meio da moda.

E ia e vinha com regularidade a Portugal porquê?

Porque tinha trabalhos cá e vinha visitar a minha família. O máximo que fiquei seguido em Nova Iorque foram dois anos. E a partir de certa altura, a minha família passou a visitar-me lá, o que era ótimo.

Como foi a parte da educação e viver com essa ausência da família?

Tinha o estatuto de trabalhador-estudante e os meus professores foram os maiores. Mas também há um nível mínimo de assiduidade, eu vinha cá fazer os testes, mas eram incríveis. Eles enviavam-me a matéria, os meus colegas também, quantas vezes eu vinha no avião a ler coisas tipo Almeida Garrett lá, lá, lá. Chegava cá e fazia os testes, e quase no mesmo dia regressava. 

Mas sente-se mais de Nova Iorque por que razão?

Porque me identifico muito com aquela corrida de ratos diária. É aquilo que eu quero na minha vida, o non-stop, a competitividade, que é uma coisa que me dá uma pica do caraças. Eu alimento-me disso, saber que há gente muito melhor que eu naquilo que faço e, ainda assim, ter de lhes provar que consigo chegar lá. Pense numa coisa: tendo em conta o meu background, só assim é que consigo motivar-me e ir para a frente. Se não, começa–se a entrar no modo de vítima: “Coitadinha de mim que vim de onde vim, coitadinha de mim que cresci sem os meus pais.” E isso não é uma opção. Foi a defesa que arranjei: tenho de provar que sou melhor do que aquilo que seria previsivelmente. Não é nada com os outros. É comigo. E isto sempre me motivou a ser mais e melhor. E lá, as pessoas são muito assim. Vêm dos quatro cantos do mundo. É uma data de imigrantes, e isso também era uma coisa que me fascinava ao viver lá: pode almoçar num vietnamita, depois lancha num jamaicano e depois vai a um do Gana jantar. Acabamos por conhecer as suas culturas. As pessoas, quando não são de lá e têm os seus negócios, acabam por ser acolhedoras e atenciosas, querem que estejamos bem e conheçamos a cultura delas. Digo-lhe sem hesitar que quero regressar. Já estou a pensar nisso: quero estudar representação nos EUA, de preferência em Nova Iorque, porque sei que lá vou conseguir trabalhar em moda e estar a estudar ao mesmo tempo. Porque sei que ainda não sou totalmente atriz, não é por fazer uma novela que se passa imediatamente a ser uma grande atriz. É preciso trabalhar muito nisso.

Há uma nova geração de atores que têm um percurso similar.

Sim, e nisso, mesmo com outros atores com outros percursos, não me senti minimamente discriminada. Os meus colegas reagiram bem. Pode ter havido um comentário ou outro – também é para o lado que eu durmo melhor –, mas rapidamente lhes provei que não estava ali para ser “a gira de serviço”. E trabalho muito nesse sentido, continuo a fazer coaching, não só antes mas mesmo durante a novela. Tenho muito esta necessidade de provar a mim mesma que consigo fazer as coisas, depois os outros acabam por ir no embalo. Acho que não é qualquer pessoa, nisso sou muito pouco modesta, que faz 13 ou 14 anos de moda e que depois consegue fazer uma novela de prime time. Para mim, se é para trabalhar, é para fazer o melhor que conseguir.

E está contente com o seu trabalho e a personagem que tem em “A Única Mulher”?

Estou, acho que ela tem nuances muito giras. Acho que consegui fazer uma boazinha diferente. Há uma grande evolução nas novelas em Portugal. Elas atingiram patamares de qualidade já muito grandes. Claro que há diferenças. Quando se vê uma série dos EUA – eu comecei a ver o “Empire” recentemente –, é visível a diferença de meios e que um cenário deles pagava a nossa novela toda, mas a nível de história e representação não estamos assim tão longe. Acho que temos atores incríveis em Portugal. Tenho a oportunidade de representar com gente que me habituei a admirar enquanto crescia. E isso é um enorme privilégio.

Mas ainda assim não há um problema nos diálogos , nos nossos argumentos? Muitas vezes, não acredito naquilo que estou a ouvir.

Isso também depende muito do ator, adaptar o diálogo, transformar um texto mais artificial numa coisa mais corriqueira, em que ele esteja mais à vontade e em que a cena possa fluir melhor. Muitas vezes é possível adaptar um diálogo de modo a que fique mais natural.

Estava a falar dos EUA, aquilo que me parece é que lá se gastam milhões em argumentos, muitos dos quais nem chegam a ser filmados, e aqui, por vezes, o problema é mesmo de falta de trabalho nos argumentos.

(risos)

Está-se a rir (risos)?

Estou-me a rir porque percebo o que diz. Mas também acho que há uma grande evolução. E quando for mais velhinha vou ter orgulho em dizer que participei na primeira novela verdadeiramente inclusiva na televisão portuguesa, em que o black não é só a empregada ou o trolha. Eu sou milionária na novela, filha de um ricaço.

Depois temos o caso contrário da novela angolana, o “Windeck”, em que o único branco era… italiano (risos).

E foi um português que fez esse papel. Eu lembro-me.

A sua novela passa também em Angola?
 

Começa lá. Já vai na terceira temporada de novela.

Isso nunca mais acaba?

Um dia vai ter de acabar. Tem um início e um fim, espero eu.

Quando matarem toda a gente?

Para mim, era ótimo a Mara morrer ou matar toda a gente.

Passou de boazinha a má?

Ficou menos. Mas ela é uma personagem muito querida de que as pessoas mais velhas e as crianças gostam muito. Era preciso muita coragem para transformar a Mara numa personagem que ela não é, fazer essa transformação.

E que tal uma espécie de Duarte Lima, que tocava órgão para as velhinhas e depois é acusado pela justiça brasileira de ter dado cabo de uma?

Isso era genial. Gostava que ela tivesse um desfecho assim. Para já, queria que ela acabasse mãe solteira, mas as pessoas revoltam-se comigo nos comentários às entrevistas em que digo isso. No outro dia, um leitor colocou um testamento enorme, num comentário a uma entrevista, a dizer: “Como é que pode querer que a sua personagem acabe como mãe solteira?” Eu não sei o que isso é porque não sou mãe. Mas vejo muitas mães solteiras e pais solteiros que seguiram com a sua vida para a frente. Porque é que tem de acabar tudo em bem nas novelas? Isso é que eu não compro: o Nuno não compra os diálogos, eu não acredito nos finais felizes porque a vida não é feita de finais felizes.

Foi provado pela indústria de cinema nos EUA que cada vez que não há finais felizes, como na vida, um filme ou série tem menos audiência. Talvez seja por isso que, nas novelas, isso é obrigatório.

Talvez, mas eu gostava que a Mara tivesse um rasgo e matasse o pai ou a Pilar, que tivesse um final assim de loucura. Para mim ia ser interessante, até para compor essa personagem e fazer a mudança da personalidade, e até acho que era interessante para a história. Mas não é, provavelmente, o curso da história. Até houve uma altura em que a autoria falou comigo porque a Mara estava a ficar má e azeda demais, e eu argumentei que naquela altura do enredo tinha sentido ser assim. Achava que ela estava revoltada e não tinha de ser uma revoltada passiva, mas podia ser daquelas que aponta dedos e acusa. E eles disseram-me: “Isso é noutra novela.”

As pessoas confundem-na com a personagem?

Completamente. Eu não penso nisso e, às vezes, lixo-me. Para dar um exemplo, há só uma discoteca a que vou em Lisboa, que não é conhecida e é frequentada por velhinhos de 70 anos que não têm telemóveis para tirar fotografias. E que se estão a borrifar para as figuras que eu possa fazer. Fui com os meus amigos sair, costumo lá ir exatamente porque ninguém me chateia. E sai às cinco horas da manhã e estávamos todos animados – eu tenho, como toda a gente, direito a beber um copo se me apetecer. E na rua está um senhor taxista cá fora que me diz: “Você devia dar o exemplo.” Eu pensei, mas exemplo a quem? Tenho direito a divertir-me. Eu não sou a Mara, sou a Sofia. Sou paga para fazer de Mara, mas não sou essa pessoa. E acho que me lixo às vezes por causa disso, por ser demasiado descontraída. Há pessoas que ficam chocadas por eu não ser a enfermeira boazinha que aparece na televisão.