A caverna da geringonça


Só um renovado sistema eleitoral, potenciador da ascensão dos melhores e mais dedicados à coisa pública e criador de lideranças idóneas, poderá abrir a caverna à luz do dia


Na alegoria da caverna, Platão imaginou um grupo de prisioneiros acorrentados numa caverna desde que nasceram, olhando o tempo todo para a parede do fundo, iluminada pela luz de uma fogueira atrás deles colocada. Para além da fogueira circulam pessoas erguendo objetos. Um muro esconde as pessoas de tal modo que os prisioneiros apenas podem ver as sombras que tais objetos projetam e ouvir o barulho exterior, que naturalmente associam às sombras, pensando ser ele as falas das mesmas. Para os prisioneiros, as sombras são a realidade.

Se um dos prisioneiros fosse libertado, a luz ofuscaria a sua visão e ele não veria distintamente a nova realidade. E se lhe dissessem que aquilo que agora distinguia era o real e as imagens que anteriormente via eram fantasmas, ele não acreditaria. Se voltasse à caverna, os seus olhos, entretanto sensibilizados à luz, ficariam cegos devido à escuridão. E se revelasse aos companheiros a situação que pudera contemplar, tomá-lo-iam como louco. Temendo ficar possuídos de ideias assim tão absurdas, ameaçariam mesmo de morte alguém que tentasse tirá-los da caverna.

Lembrei-me da alegoria quando, faz um ano, os economistas do PS elaboraram um programa com vista às eleições. Nele apresentavam um novo paradigma para a economia e finanças públicas, baseado num estímulo da procura interna, que levaria a um crescimento do investimento de 7,8% e do consumo privado, situação que, alavancada por um aumento das exportações de 5,9%, potenciaria um crescimento do PIB de 2,4%, possibilitando a diminuição do défice e até o aumento dos gastos públicos. Perante tal fantasia, pensei que só poderia ter sido elucubrada por personagens encerradas numa caverna, recebendo de uma qualquer malévola geringonça imagens turvas, sombras do mundo real.

O que se confirmou quando alguns desses personagens, momentaneamente libertados, foram por tal geringonça encarregados de elaborar um programa de governo. E se a sua visão já era a das sombras desfocadas, a luz que puderam vislumbrar mais obscureceu essa visão. Pois só uma visão confusa poderia levar ao aumento de gastos públicos eleitoralistas, ao desfazer de privatizações efetuadas, ao lançamento de novos impostos, máxime sobre o consumo, gripando o seu próprio alegado motor do crescimento, com prejuízo da economia. E reduzindo o défice, pasme-se!

E se, no mundo exterior, muitos demonstram que tais imagens atentam contra a realidade, mais os prisioneiros, alcandorados a governantes, se obstinam em considerar como autênticas as imagens virtuais que uma geringonça sombria lhes fez criar.

Visão tão obliterada que leva a proclamar êxitos mesmo quando o desemprego aumenta ou quando o indicador de atividade económica se torna pela primeira vez negativo, de há anos a esta parte.

E visão tão ofuscada que negam validade às mais sérias estimativas, que apontam para um crescimento do défice, uma estagnação do investimento (0,1%) e das exportações (1,6%), contra os 7,8% e os 5,9%, respetivamente, projetados na caverna. 

Aprisionados na escuridão de conceitos fora de tempo e de senso, eles teimosamente persistem nos fantasmas que criaram e que a todos pretendem impor. Creio bem que Platão imaginou a caverna pensando na atual geringonça.   

Só um renovado sistema eleitoral, potenciador da ascensão dos melhores e mais dedicados à coisa pública e criador de lideranças idóneas, poderá abrir a caverna à luz do dia.

Uma democracia de qualidade é uma democracia aberta à luz, não uma democracia de sombras que nega as mais óbvias evidências. Como a geringonça nega.

Economista e gestor

Subscritor do manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”


A caverna da geringonça


Só um renovado sistema eleitoral, potenciador da ascensão dos melhores e mais dedicados à coisa pública e criador de lideranças idóneas, poderá abrir a caverna à luz do dia


Na alegoria da caverna, Platão imaginou um grupo de prisioneiros acorrentados numa caverna desde que nasceram, olhando o tempo todo para a parede do fundo, iluminada pela luz de uma fogueira atrás deles colocada. Para além da fogueira circulam pessoas erguendo objetos. Um muro esconde as pessoas de tal modo que os prisioneiros apenas podem ver as sombras que tais objetos projetam e ouvir o barulho exterior, que naturalmente associam às sombras, pensando ser ele as falas das mesmas. Para os prisioneiros, as sombras são a realidade.

Se um dos prisioneiros fosse libertado, a luz ofuscaria a sua visão e ele não veria distintamente a nova realidade. E se lhe dissessem que aquilo que agora distinguia era o real e as imagens que anteriormente via eram fantasmas, ele não acreditaria. Se voltasse à caverna, os seus olhos, entretanto sensibilizados à luz, ficariam cegos devido à escuridão. E se revelasse aos companheiros a situação que pudera contemplar, tomá-lo-iam como louco. Temendo ficar possuídos de ideias assim tão absurdas, ameaçariam mesmo de morte alguém que tentasse tirá-los da caverna.

Lembrei-me da alegoria quando, faz um ano, os economistas do PS elaboraram um programa com vista às eleições. Nele apresentavam um novo paradigma para a economia e finanças públicas, baseado num estímulo da procura interna, que levaria a um crescimento do investimento de 7,8% e do consumo privado, situação que, alavancada por um aumento das exportações de 5,9%, potenciaria um crescimento do PIB de 2,4%, possibilitando a diminuição do défice e até o aumento dos gastos públicos. Perante tal fantasia, pensei que só poderia ter sido elucubrada por personagens encerradas numa caverna, recebendo de uma qualquer malévola geringonça imagens turvas, sombras do mundo real.

O que se confirmou quando alguns desses personagens, momentaneamente libertados, foram por tal geringonça encarregados de elaborar um programa de governo. E se a sua visão já era a das sombras desfocadas, a luz que puderam vislumbrar mais obscureceu essa visão. Pois só uma visão confusa poderia levar ao aumento de gastos públicos eleitoralistas, ao desfazer de privatizações efetuadas, ao lançamento de novos impostos, máxime sobre o consumo, gripando o seu próprio alegado motor do crescimento, com prejuízo da economia. E reduzindo o défice, pasme-se!

E se, no mundo exterior, muitos demonstram que tais imagens atentam contra a realidade, mais os prisioneiros, alcandorados a governantes, se obstinam em considerar como autênticas as imagens virtuais que uma geringonça sombria lhes fez criar.

Visão tão obliterada que leva a proclamar êxitos mesmo quando o desemprego aumenta ou quando o indicador de atividade económica se torna pela primeira vez negativo, de há anos a esta parte.

E visão tão ofuscada que negam validade às mais sérias estimativas, que apontam para um crescimento do défice, uma estagnação do investimento (0,1%) e das exportações (1,6%), contra os 7,8% e os 5,9%, respetivamente, projetados na caverna. 

Aprisionados na escuridão de conceitos fora de tempo e de senso, eles teimosamente persistem nos fantasmas que criaram e que a todos pretendem impor. Creio bem que Platão imaginou a caverna pensando na atual geringonça.   

Só um renovado sistema eleitoral, potenciador da ascensão dos melhores e mais dedicados à coisa pública e criador de lideranças idóneas, poderá abrir a caverna à luz do dia.

Uma democracia de qualidade é uma democracia aberta à luz, não uma democracia de sombras que nega as mais óbvias evidências. Como a geringonça nega.

Economista e gestor

Subscritor do manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”