‘‘Agora é hora das bandeiras e de cantar o hino a uma só voz’’

‘‘Agora é hora das bandeiras e de cantar o hino a uma só voz’’


Lá de longe, da China, de Cantão, Luiz Felipe Scolari, o único selecionador português que venceu uma meia-final, transmite a sua mensagem de crença e otimismo para o Portugal-País de Gales da próxima quarta-feira. Com o coração ao pé da boca…


A cidade adormeceu em festa. Não ainda a festa portuguesa, que os adeptos da seleção nacional só devem começar a chegar amanhã, mas a festa francesa do apuramento para as meias-finais à custa da surpreendente Islândia. No final do encontro, o povo rebentou os diques da alegria.

Carros apitam no redor da Place Bellecour, motoretas saem disparadas pela Rue de La Barre e pela Ponte de Guillotière. Bandeirinhas tricolores agitam-se nos bares de Saint-Jean, Saint-Paul e Saint-Georges (só falta Saint-Richard Starkey?), aqui e além há quem cante pedaços da Marselhesa, sobretudo aqueles que apelam “às armas, cidadãos”.

Até quarta-feira, dois compridos dias sem futebol, o que equivale a dias sem pão (ou sem cerveja, para os que evitam os farináceos). Depois, Portugal estará de volta, agora para defrontar o País de Gales, na quinta semifinal de campeonatos da Europa – só uma vitoriosa até aqui, a do Euro-2004, em Alvalade, frente à Holanda (2-1). De resto, três derrotas – duas com a França (1984 e 2000) e uma com a Espanha (2012). Tempo para contrariar a história e essa espécie de maldição das meias.

Lá longe, na China, onde treina o Guanghzou Evergrande, está o único selecionador português capaz de vencer uma meia-final até agora (contando mesmo com duas de campeonatos do mundo), Luiz Felipe Scolari, que nunca se esquece dos tempos felizes que viveu como responsável pela seleção de Portugal.

E mesmo à distância, diz: “Agora é a hora das bandeiras nas janelas, de cantar o hino a uma só voz! É hora de juntar forças e jogar a vida neste jogo!”

Como sempre, comove-se com a “equipa de todos nós’, na qual passou dos momentos mais felizes da sua vida. E prossegue: “Estarei torcendo por aqui. Com todas as forças. Tenho a seleção, a nossa seleção no coração. Não importa quem lá está. Importa, isso sim, passar mais esta eliminatória e chegar à final. Somos melhores. Temos jogadores melhores. Só precisamos de funcionar como equipa para sermos muito melhores do que eles e ganharmos, porque é isso que merecem todos os portugueses. Ficarei profundamente feliz com essa vitória!”

Eu sei. Eu, que o conheço bem, sei o amor profundo que ele devota a Portugal e quão maravilhoso foi para ele o tempo que passou entre nós.

Que a sua mensagem seja propagada de boca em boca. Que regressem as bandeiras e os cachecóis (domingo foi impressionante o espetáculo das bandeirinhas francesas em Saint-Denis!!!) e a vontade de chegar longe, cada vez mais longe.

O sonho continua vivo! Cristiano Ronaldo falava, antes de o Europeu ter início, do sonho de chegar à final. O tempo passou, vieram os jogos, melhores ou piores, vieram os empates e tão-só uma vitória, que não é motivo de orgulho por aí além, mas o sonho continua de pé, mais vivo do que nunca. Basta um passo, com vitória nos 90 ou nos 120 minutos, até mesmo nos penáltis, e Portugal estará de regresso a uma final que foi única na história da sua seleção, desde 1921, quando defrontou pela primeira vez a Espanha, até hoje. Passaram-se 12 anos desde aquele extraordinário jogo de Alvalade no qual Maniche marcou um golo único, perfeito e irrepetível como uma Madonna de Rafael. Há quatro anos, foram os penáltis face aos espanhóis que impediram Portugal de jogar a final frente à Itália, em Kiev. Neste momento, a barreira para Paris chama-se País de Gales. Se fosse dado a escolher a cada um de nós, poucos seriam os que não prefeririam este adversário a qualquer um dos outros que estiveram nos quartos–de-final. Apesar do que têm feito, os galeses continuam completamente ao alcance de uma equipa portuguesa que jogue um pouco mais do que os mínimos que infelizmente tem jogado. É tempo de encarar de frente as circunstâncias da fortuna de uma competição que como que trouxe ao colo, até aqui, o seu filho favorito, de nome Portugal. Para quem, séculos a fio, desconfia da sorte. Para quem não faz intervalos nas queixas que dela tem, os portugueses não podem agora virar costas a uma das suas grandes aliadas neste Europeu, logo a começar por aquele golo islandês no último minuto frente à Áustria que os atirou de braços abertos para a Croácia, em vez de lhes impor a Bélgica ou a Inglaterra. Se a sorte tem acompanhado a equipa das quinas, que se aproveite esse vento da história e se enfunem os peitos de orgulho, mais do que velas de galeão, como dizia o Dr. Topsius da Imperial Alemanha n’“A Relíquia” do imarcescível Eça.

A 48 horas do encontro decisivo de Lyon, ainda não se veem nem cachecóis nem bandeiras vermelhas e verdes pelas ruas estreitas do Vieux Lyon, pejado de antigas casas senhoriais e de campanários de igrejas. “Nem todos os que regressam a casa são vencedores”, escreveu Bertolt Brecht, “mas não há vencedor que não regresse a casa.”

Não chegou pois, ainda, o tempo de regressar.