O Ministério das Finanças recebeu ao longo do ano passado relatórios trimestrais da Caixa Geral de Depósitos (CGD) a alertar para um conjunto de créditos problemáticos que mereciam “particular atenção”, devido às imparidades que poderiam causar ao banco público.
A informação está num relatório da comissão de auditoria da CGD relativo às contas de 2015.
A comissão de auditoria é o órgão da CGD responsável pela fiscalização da contabilidade e das práticas de gestão do banco. Exerce uma função de controlo sobre os atos da administração e os riscos assumidos pelo banco.
Presidida pelo advogado Eduardo Paz Ferreira, uma das suas tarefas é avaliar os relatórios do auditor externo da CGD, a Deloitte, e enviar depois o seu próprio relatório à tutela no governo, a cada trimestre.
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Segundo indica a comissão de auditoria, uma averiguação da Deloitte no ano passado identificou um conjunto de empréstimos de risco que poderiam causar imparidades adicionais. E essa informação foi comunicada ao governo nesses relatórios trimestrais.
“O relatório sobre o processo de quantificação da imparidade da carteira de crédito do grupo CGD elaborado pelo auditor externo identifica um conjunto de créditos objeto de acompanhamento, os quais mereceram particular atenção da Comissão de Auditoria, conforme relatórios trimestrais emitidos para a Tutela”, lê-se no documento anual.
No governo, a CGD é tutelada pelo Ministério das Finanças. No anterior executivo, Maria Luís Albuquerque era a ministra com esta área e a secretária de Estado do Tesouro era Isabel Castelo Branco.
O governo mudou em novembro do ano passado, pelo que a antiga equipa das Finanças recebeu pelo menos três relatórios trimestrais sobre a situação da CGD.
Segundo avançou na semana passada o “Correio da Manhã”, foi precisamente uma auditoria de agosto de 2015 que considerou que o banco concedeu créditos com “deficiente análise de risco” ou com garantias claramente insuficientes.
O diário não especifica se foi o relatório sobre imparidades de crédito elaborado pela Deloitte, mas identifica o documento como uma “auditoria interna”.
Segundo esse documento citado pelo jornal, a CGD tinha uma exposição de “mais de 2,3 mil milhões de euros de empréstimos em risco de não serem pagos”. Só nos nove maiores devedores da CGD, as imparidades chegavam a 912 milhões de euros.
O maior devedor da CGD identificado era o grupo Artlant, com 476 milhões em dívida e 214,4 milhões em crédito perdido (imparidades). O grupo planeava construir em Sines um dos maiores projetos industriais de Portugal, mas o plano não avançou devido à falência de um dos principais acionistas, a La Seda.
No grupo de créditos problemáticos estavam ainda empréstimos aos grupos Espírito Santo, Lena e Efacec, além do projeto Vale do Lobo, com 282,9 milhões de euros de exposição e 138,1 milhões em imparidades.
Este empreendimento está ligado ao antigo administrador Armando Vara, a quem são atribuídos alguns dos empréstimos com mais perdas.
Mesmo tendo tido a tutela do banco público até novembro do ano passado e de ter recebido relatórios trimestrais sobre a CGD, o PSD decidiu avançar com uma comissão de inquérito à recapitalização do banco. O processo está ainda a ser alvo de negociações com Bruxelas, mas pode chegar a quatro mil milhões de euros.
De resto, a atividade da comissão de auditoria no ano passado indicia que foi um ano complexo em termos de controlo do banco. Legalmente, este órgão tem apenas de reunir seis vezes por ano – uma vez por bimestre. Mas no ano passado houve 17 reuniões de Eduardo Paz Ferreira e restante equipa, mais do que em qualquer outro ano do atual mandato.