Um partido por pontos


Na semana em que entra em vigor a carta de condução por pontos, o Partido Socialista realiza mais um congresso nacional, provavelmente o mais flash mob de toda a sua história de vida, alegadamente com grande abertura à sociedade e eloquentes convidados, mas com pouco tempo para que os militantes intervenham e digam o que…


Mas imagine-se que o regime da carta de condução por pontos era aplicado ao Partido Socialista e à sua condução política, sendo o espólio inicial de 12 pontos atribuídos, depois daquilo que alguns no Brasil designaram de golpe. 

Crimes rodoviários: menos seis pontos

Por otimismo irritante ou puro ilusionismo político, Portugal transformou-se no único país no Mundo em que um biderrotado (legislativas e presidenciais) é reciclado e apresentado como vencedor. O desastre dos despistes eleitorais era razão mais que suficiente para a perda de seis pontos por quem anunciou tamanha determinação em derrotar a direita e não o conseguiu. Aplicado o plano B, com a mestria do desenrasca ou do malabarista com os pratos a rodar na ponta das varas, começou a deriva do “não é bem assim”. Trinta e cinco horas para toda a função pública! Não é bem assim. Fim da austeridade! Não é bem assim. Os resultados económicos e sociais são os esperados. Não é bem assim, mas a culpa é alheia. Da Autoeuropa, dos estivadores, dos locais de destino das exportações ou de qualquer outro fator que sirva para alimentar narrativas similares às da direita nos idos do poder. A cada mau resultado, uma desculpa. Depois da fragilidade dos resultados alcançados pela direita, após quatro anos de sacrifícios, a debilidade da argumentação atual perante o diabo dos resultados. Certo é que se livraram da primeira retirada de pontos quiçá porque a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária esteve dez meses sem processar multas.

Contraordenações muito graves (álcool – 0,8 a 1,2 g/l – e excesso de velocidade): menos cinco pontos

A verdade é que os ímpetos iniciais da governação das esquerdas, das devoluções, reposições e reversões tiveram consequências na sustentabilidade das opções políticas, na confiança dos investidores, e não tiveram o efeito desejado na economia, anémica e sem estímulos, com os fundos comunitários embrulhados na incompetência do desenho e do programa do Portugal 2020. O bodo turvou a visão, provocou um aceleramento das exigências, além do programa eleitoral do PS, e quando começou a faltar o dinheiro sobraram os temas simbólico-fraturantes para desviar a atenção da vida da generalidade das pessoas, da economia e da falta de uma visão para o país que implique transformação, bom senso e determinação. Depois de governos que atuaram a corte de tesoura, atua-se a toque de caixa na banda estreita imposta por BE e PCP. E a agenda vai sendo marcada com os resultados económicos e sociais conhecidos. A proclamada excelência da solução governativa deveria gerar uma comoção europeia pelos feitos alcançados. E no entanto, da Europa vem mais do mesmo: exigência das instituições, indiferença dos parceiros políticos que governam os seus países e o único grande entusiasta com a solução é Martin Schultz, que só é presidente do Parlamento Europeu porque há um acordo com a direita. É uma espécie de “orgulhosamente sós”. Com tanta navegação à vista, turva por sinal, qual Nau Catrineta, o normal era que a eufórica bebedeira cativasse mais cinco pontos – e, não obstante, mais uma penalização por aplicar.

Contraordenações graves (álcool – 0,5 a 0,8 g/l, excesso de velocidade e ultrapassagens nas passadeiras de peões): menos três pontos

Apesar da condução, o combustível ainda vai sendo o necessário para o objetivo central da manutenção do projeto pessoal de poder, cedendo o necessário aos parceiros, permitindo a duplicidade dos apoios no parlamento e a exigência local de mais recursos do Estado e das autarquias, como se não estivessem, pela primeira vez, na origem das dotações orçamentais. Os sapos, agora, são engolidos pelos socialistas, enquanto os parceiros gozam o prato. A opção maioritária do PS deserdou o eleitorado do centro, implodiu o conceito de voto útil e vai colocar o PS acantonado a disputar o eleitorado do BE e do PCP. Será certamente uma oportunidade para avaliar se os portugueses preferem a cópia ou o original. Tal como com a chamada da troika, quando despertarem é tarde. O salve-se quem puder para conservar o poder levaria mais três pontos, mas impõe-se a distração dos autuantes com as vacas que voam e afins, que mais não são do que uma renovada leitura da ambição desmedida do voo de Ícaro rumo ao sol.

No final de cada período de três anos sem crimes rodoviários, contraordenações muito graves e contraordenações graves, pode-se conquistar três pontos. É preciso saber se um partido por pontos consegue chegar ao destino e se, com tanto desvario, a direção não vai perder tantos pontos que deixa de poder conduzir. Para já pode começar por ganhar com maioria absoluta as eleições legislativas regionais dos Açores, e em 2017, no mínimo, manter as 150 câmaras lideradas pelo PS.

Por mim, continuarei a dizer o que penso, quando e onde quiser, a colocar os pontos nos ii, e não vai ser uma turba qualquer, viciada no insulto e na intolerância, que vai perturbar a democracia em que vivemos.

Membro da comissão política nacional do PS

Escreve à quinta-feira


Um partido por pontos


Na semana em que entra em vigor a carta de condução por pontos, o Partido Socialista realiza mais um congresso nacional, provavelmente o mais flash mob de toda a sua história de vida, alegadamente com grande abertura à sociedade e eloquentes convidados, mas com pouco tempo para que os militantes intervenham e digam o que…


Mas imagine-se que o regime da carta de condução por pontos era aplicado ao Partido Socialista e à sua condução política, sendo o espólio inicial de 12 pontos atribuídos, depois daquilo que alguns no Brasil designaram de golpe. 

Crimes rodoviários: menos seis pontos

Por otimismo irritante ou puro ilusionismo político, Portugal transformou-se no único país no Mundo em que um biderrotado (legislativas e presidenciais) é reciclado e apresentado como vencedor. O desastre dos despistes eleitorais era razão mais que suficiente para a perda de seis pontos por quem anunciou tamanha determinação em derrotar a direita e não o conseguiu. Aplicado o plano B, com a mestria do desenrasca ou do malabarista com os pratos a rodar na ponta das varas, começou a deriva do “não é bem assim”. Trinta e cinco horas para toda a função pública! Não é bem assim. Fim da austeridade! Não é bem assim. Os resultados económicos e sociais são os esperados. Não é bem assim, mas a culpa é alheia. Da Autoeuropa, dos estivadores, dos locais de destino das exportações ou de qualquer outro fator que sirva para alimentar narrativas similares às da direita nos idos do poder. A cada mau resultado, uma desculpa. Depois da fragilidade dos resultados alcançados pela direita, após quatro anos de sacrifícios, a debilidade da argumentação atual perante o diabo dos resultados. Certo é que se livraram da primeira retirada de pontos quiçá porque a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária esteve dez meses sem processar multas.

Contraordenações muito graves (álcool – 0,8 a 1,2 g/l – e excesso de velocidade): menos cinco pontos

A verdade é que os ímpetos iniciais da governação das esquerdas, das devoluções, reposições e reversões tiveram consequências na sustentabilidade das opções políticas, na confiança dos investidores, e não tiveram o efeito desejado na economia, anémica e sem estímulos, com os fundos comunitários embrulhados na incompetência do desenho e do programa do Portugal 2020. O bodo turvou a visão, provocou um aceleramento das exigências, além do programa eleitoral do PS, e quando começou a faltar o dinheiro sobraram os temas simbólico-fraturantes para desviar a atenção da vida da generalidade das pessoas, da economia e da falta de uma visão para o país que implique transformação, bom senso e determinação. Depois de governos que atuaram a corte de tesoura, atua-se a toque de caixa na banda estreita imposta por BE e PCP. E a agenda vai sendo marcada com os resultados económicos e sociais conhecidos. A proclamada excelência da solução governativa deveria gerar uma comoção europeia pelos feitos alcançados. E no entanto, da Europa vem mais do mesmo: exigência das instituições, indiferença dos parceiros políticos que governam os seus países e o único grande entusiasta com a solução é Martin Schultz, que só é presidente do Parlamento Europeu porque há um acordo com a direita. É uma espécie de “orgulhosamente sós”. Com tanta navegação à vista, turva por sinal, qual Nau Catrineta, o normal era que a eufórica bebedeira cativasse mais cinco pontos – e, não obstante, mais uma penalização por aplicar.

Contraordenações graves (álcool – 0,5 a 0,8 g/l, excesso de velocidade e ultrapassagens nas passadeiras de peões): menos três pontos

Apesar da condução, o combustível ainda vai sendo o necessário para o objetivo central da manutenção do projeto pessoal de poder, cedendo o necessário aos parceiros, permitindo a duplicidade dos apoios no parlamento e a exigência local de mais recursos do Estado e das autarquias, como se não estivessem, pela primeira vez, na origem das dotações orçamentais. Os sapos, agora, são engolidos pelos socialistas, enquanto os parceiros gozam o prato. A opção maioritária do PS deserdou o eleitorado do centro, implodiu o conceito de voto útil e vai colocar o PS acantonado a disputar o eleitorado do BE e do PCP. Será certamente uma oportunidade para avaliar se os portugueses preferem a cópia ou o original. Tal como com a chamada da troika, quando despertarem é tarde. O salve-se quem puder para conservar o poder levaria mais três pontos, mas impõe-se a distração dos autuantes com as vacas que voam e afins, que mais não são do que uma renovada leitura da ambição desmedida do voo de Ícaro rumo ao sol.

No final de cada período de três anos sem crimes rodoviários, contraordenações muito graves e contraordenações graves, pode-se conquistar três pontos. É preciso saber se um partido por pontos consegue chegar ao destino e se, com tanto desvario, a direção não vai perder tantos pontos que deixa de poder conduzir. Para já pode começar por ganhar com maioria absoluta as eleições legislativas regionais dos Açores, e em 2017, no mínimo, manter as 150 câmaras lideradas pelo PS.

Por mim, continuarei a dizer o que penso, quando e onde quiser, a colocar os pontos nos ii, e não vai ser uma turba qualquer, viciada no insulto e na intolerância, que vai perturbar a democracia em que vivemos.

Membro da comissão política nacional do PS

Escreve à quinta-feira