Nunca um Presidente da República tinha conseguido passar do 8 ao 80 com tanta facilidade como Marcelo o está a fazer – das declarações de apoio total ao governo à marcação de um prazo para avaliar a sua capacidade de gestão foi um instantinho.
Como Marcelo é um ser eminentemente “público” – a discrição característica do cargo presidencial é uma coisa que lhe é alheia – veio publicamente explicar o novo ciclo da relação entre Presidente e governo. E, numa reviravolta com tudo o que disse na campanha e nas promessas de estabilidade e de franco apoio à solução da geringonça, ontem marcou a data do exame ao governo Costa: as próximas autárquicas. Costa já tem a cabeça a prémio e agora tem ano e meio para ver se passa no crivo presidencial.
A frase é tão boa, e tão “à Marcelo”, que é fundamental reproduzi-la aqui. Claro que Marcelo começa por anunciar que não provocará instabilidade política, para depois confirmar que isso poderá acontecer depois das eleições autárquicas. Não é o tiro no porta-aviões, mas é uma ameaça politicamente relevante depois da semana negra nas relações entre Presidente e primeiro-ministro: “Desiludam-se aqueles que pensam que o Presidente da República vai dar um passo sequer para provocar instabilidade neste ciclo que vai até às autárquicas. Depois das autárquicas, veremos o que se passa, mas o ideal para Portugal é que o governo dure e tenha sucesso”.
António Costa tem a cabeça a prémio, principalmente depois da decisão de ignorar os apelos ao consenso, na matéria dos colégios privados, que o Presidente da República diariamente foi fazendo. É verdade que Costa humilhou o Presidente – ao excesso de leveza responde-se muitas vezes com excesso de leveza – mas arranjou um problema em Belém. Acabou a lua-de-mel e isso é no mínimo clarificador.