A austeridade acabou, mas era só jajão


Eu sempre achei que a esquerda curtia ironias. Karl Marx sustentava-se a apostar na Bolsa de Londres, Fidel Castro ia ao Kremlin com dois Rolex no pulso e António Costa prometeu acabar com a austeridade, mas era só jajão


Para os mais desatentos ao panorama musical contemporâneo, creio que concordamos que os irmãos mais novos são uma bênção. Clarificou-me o meu que um dos sons que anda por aí dá pelo nome de “Jajão”. Conta a história de um homem iludido pelas promessas de uma “princesa”. O ritmo poderá não ser o mais cativante para o leitor, mas a letra serve uma alegoria. António Costa, já dizia José Eduardo Martins, é um “príncipe da política”. 

Ora vejamos. A campanha do Partido Socialista foi feita à base do “tempo novo” que traria “o fim da austeridade”. Este mês saíram uns dados interessantes do Instituto Nacional de Estatística acerca do primeiro trimestre de 2016. O tão badalado investimento caiu. O tão batalhado desemprego aumentou. Jajão? 

 Promete-se “apostar na educação”, mas retiram-se crianças do melhor ensino possível para o Estado “poupar”. Jajão. Promete-se “devolver as pensões”, mas o valor máximo devolvido aos pensionistas foi de dois euros e meio. Jajão. Promete-se baixar os impostos sobre os combustíveis quando os preços subirem, mas baixou-se a irrisória quantia de um cêntimo. Jajão. Promete-se “virar a página”, mas orquestrou-se uma política fiscal regressiva. Jajão. Promete-se uma justiça transparente, mas colocam–se as bases de dados de cooperação policial internacional sob tutela política. Jajão. Promete-se um Estado transparente, mas fazem-se nomeações sem concurso antes de se “apertar a regulamentação”. Jajão. Promete-se conter as “despesas intermédias”, mas passeia--se de jato Falcon pela Europa fora. Jajão. 

O Presidente Marcelo elogiou a “preocupação social dirigida para certas camadas da população”, mas essa camada específica tem um nome: funcionários públicos. E jajão para o resto. Mario Draghi fala da necessidade de reformas, o governo diz que não são para Portugal. A administração pública queixa-se de cativações, o governo diz que não são cortes, são “poupanças”. 

Esta sequência de “jajões” em que se tenta culpar a oposição, a conjuntura externa ou Bruxelas é símbolo da demagogia que envolveu as últimas legislativas. Qualquer dia prometem aumentar o salário mínimo e, para “honrar a palavra dada”, lá se aumentam três euritos ao povo. Parece que é a gozar. 

Eu sempre achei que a esquerda curtia ironias. Karl Marx sustentava-se a apostar na Bolsa de Londres, Fidel Castro ia ao Kremlin com dois Rolex no pulso e António Costa prometeu acabar com a austeridade mas era só jajão. 

Moramos, então, no tempo da ironia. Os que criticaram a austeridade fazem–na de forma diferente. Os que fizeram austeridade criticam a sua nova forma. Tal só prova que a austeridade como doutrina não tem nada a ver com social-democracia nem com liberalismo ou com qualquer outra ideologia de referência, o que faz com que o debate político nutra imensa saudade das suas divergências ideológicas e as exagere. Basta ouvir um debate quinzenal na Assembleia.

Para mim, o ponto a retirar é o seguinte: se esta Europa de pensamento único – que chateia desde a Grécia mais pobre à Hungria mais conservadora, passando pela Inglaterra mais liberal – renega as ideologias de referência para a conversa e para a propaganda, qual é a surpresa de ver os populismos tomarem o seu lugar? 

Não é a primeira vez que a instabilidade económica patrocina a ascensão nacionalista. Depois dessa ii guerra mundial e com argumentos diversos e democraticamente alternados, a social-democracia, a democracia cristã e o liberalismo ajudaram a reerguer o continente europeu. Desprezar estas referências é o caminho mais fácil para a paz deixar de ser aquilo que sabíamos existir amanhã. Porque a verdade é que já não sabemos, e nem demos por isso. Jajão.
 


A austeridade acabou, mas era só jajão


Eu sempre achei que a esquerda curtia ironias. Karl Marx sustentava-se a apostar na Bolsa de Londres, Fidel Castro ia ao Kremlin com dois Rolex no pulso e António Costa prometeu acabar com a austeridade, mas era só jajão


Para os mais desatentos ao panorama musical contemporâneo, creio que concordamos que os irmãos mais novos são uma bênção. Clarificou-me o meu que um dos sons que anda por aí dá pelo nome de “Jajão”. Conta a história de um homem iludido pelas promessas de uma “princesa”. O ritmo poderá não ser o mais cativante para o leitor, mas a letra serve uma alegoria. António Costa, já dizia José Eduardo Martins, é um “príncipe da política”. 

Ora vejamos. A campanha do Partido Socialista foi feita à base do “tempo novo” que traria “o fim da austeridade”. Este mês saíram uns dados interessantes do Instituto Nacional de Estatística acerca do primeiro trimestre de 2016. O tão badalado investimento caiu. O tão batalhado desemprego aumentou. Jajão? 

 Promete-se “apostar na educação”, mas retiram-se crianças do melhor ensino possível para o Estado “poupar”. Jajão. Promete-se “devolver as pensões”, mas o valor máximo devolvido aos pensionistas foi de dois euros e meio. Jajão. Promete-se baixar os impostos sobre os combustíveis quando os preços subirem, mas baixou-se a irrisória quantia de um cêntimo. Jajão. Promete-se “virar a página”, mas orquestrou-se uma política fiscal regressiva. Jajão. Promete-se uma justiça transparente, mas colocam–se as bases de dados de cooperação policial internacional sob tutela política. Jajão. Promete-se um Estado transparente, mas fazem-se nomeações sem concurso antes de se “apertar a regulamentação”. Jajão. Promete-se conter as “despesas intermédias”, mas passeia--se de jato Falcon pela Europa fora. Jajão. 

O Presidente Marcelo elogiou a “preocupação social dirigida para certas camadas da população”, mas essa camada específica tem um nome: funcionários públicos. E jajão para o resto. Mario Draghi fala da necessidade de reformas, o governo diz que não são para Portugal. A administração pública queixa-se de cativações, o governo diz que não são cortes, são “poupanças”. 

Esta sequência de “jajões” em que se tenta culpar a oposição, a conjuntura externa ou Bruxelas é símbolo da demagogia que envolveu as últimas legislativas. Qualquer dia prometem aumentar o salário mínimo e, para “honrar a palavra dada”, lá se aumentam três euritos ao povo. Parece que é a gozar. 

Eu sempre achei que a esquerda curtia ironias. Karl Marx sustentava-se a apostar na Bolsa de Londres, Fidel Castro ia ao Kremlin com dois Rolex no pulso e António Costa prometeu acabar com a austeridade mas era só jajão. 

Moramos, então, no tempo da ironia. Os que criticaram a austeridade fazem–na de forma diferente. Os que fizeram austeridade criticam a sua nova forma. Tal só prova que a austeridade como doutrina não tem nada a ver com social-democracia nem com liberalismo ou com qualquer outra ideologia de referência, o que faz com que o debate político nutra imensa saudade das suas divergências ideológicas e as exagere. Basta ouvir um debate quinzenal na Assembleia.

Para mim, o ponto a retirar é o seguinte: se esta Europa de pensamento único – que chateia desde a Grécia mais pobre à Hungria mais conservadora, passando pela Inglaterra mais liberal – renega as ideologias de referência para a conversa e para a propaganda, qual é a surpresa de ver os populismos tomarem o seu lugar? 

Não é a primeira vez que a instabilidade económica patrocina a ascensão nacionalista. Depois dessa ii guerra mundial e com argumentos diversos e democraticamente alternados, a social-democracia, a democracia cristã e o liberalismo ajudaram a reerguer o continente europeu. Desprezar estas referências é o caminho mais fácil para a paz deixar de ser aquilo que sabíamos existir amanhã. Porque a verdade é que já não sabemos, e nem demos por isso. Jajão.