Já não se pode estar sossegado com os nossos pensamentos. Pior, já não há certezas absolutas neste mundo. Quando se julga que a melhor dupla de sempre é R2-D2 e C-3PO (num renhido campeonato com Bud Spencer e Terence Hill, JVP e Paulinho Santos), aparece a voz de António Simões a fazer-nos pensar. E recuar nos nossos ideais. Mas então e o R2-D2 e C-3PO? Pois é, mas Best e Vítor Baptista juntos, ao vivo e a cores no San Jose Earthquakes em 1980 é um caso clínico. O adjunto dessa equipa chama-se António Simões, um dos Magriços do Mundial-66.
“O treinador principal era o Bill Foulkes, velha glória do Manchester United. Eu era o assistente dele”, explica Simões. E que tal o duelo entre o maior enfant terrible de todos os tempos e o maior rebelde do nosso futebol? “O Best esteve lá a época toda mas o Vítor só uma semana ou duas. Fez um jogo e voltou para Portugal. Mas sim, eram duas personalidades carismáticas, com um jeito muito próprio de lidar com o que quer que seja.”
Entre algumas gargalhadas, Simões lá conta ao i as melhores histórias. “As do Vítor, só as do Benfica, porque o tempo dele nos Earthquakes foi realmente curto. Fez um jogo, nada mais. Nem me lembro se chegou a alinhar ao lado do Best, mas que o Vítor era uma peça, lá isso era. Agora, não fazia cócegas ao Best”
Como? “Bem, Best era imparável em tudo. Nem lhe conto. A quantidade de vezes que ficávamos de boca aberta e de queixo no chão com os seus truques. Ele vulgarizava qualquer um com um simples toque na bola. Só era preciso que aparecesse…”
Então? “Fazia coisas em campo absolutamente geniais, e até nos treinos, mas portava-se de uma maneira pouco profissional fora dos relvado. Certa vez, jogámos longe de casa e marcámos uma hora para nos encontrarmos e irmos para o aeroporto. O Best não apareceu. Nós telefonámos, telefonámos e telefonámos mas nada. Fomos para o aeroporto. Última tentativa em matéria de ligações. Atende a mulher dele… que também não sabe dele! Era maluco, muito mais que o Vítor. Claro que tivemos de ir jogar sem ele, e atenção que ele tinha jogado no Manchester United com o nosso treinador [Bill Foulkes], mas não havia maneira de o meter na ordem. Ele vivia muito da sua vida social. Era um estilo muito próprio e vincado. Já ninguém levava a mal.”
Está o telefonema quase a terminar quando Simões lembra-se de um pormenor. “Espere lá, sabe quem é que também jogava lá?” Não, nem ideia. “O Hiddink!”
Olha que trio: George Best, Vítor Baptista e Guus Hiddink. Pronto, e assim o R2-D2 e C-3PO continuam a ser a melhor dupla ever, ever, ever. Mas vamos lá ouvir a explicação do Hiddink. “Era já um jogador experiente [33 anos]. Jogava a meio-campo, tinha muita força, lia bem o jogo e privilegiava sempre o colectivo: era uma espécie de Vidigal branco.”
“É uma pessoa inteligente, séria e rigorosa, ao estilo holandês. Mas com bom sentido de humor. Encarava tudo de forma séria sem nunca deixar de desfrutar daquilo que fazia. Divertia-se a trabalhar”, recorda Simões.
E fora do trabalho? “Um rapaz divertido, que gostava de beber umas cervejas fora do horário laboral. Mas muito responsável: bebia cervejas socialmente, como todos os americanos faziam, mas distinguia bem o que era trabalho no campo e divertimento fora dele.”
Simões. “Vítor Baptista não fazia cócegas ao Best”
Já não se pode estar sossegado com os nossos pensamentos. Pior, já não há certezas absolutas neste mundo. Quando se julga que a melhor dupla de sempre é R2-D2 e C-3PO (num renhido campeonato com Bud Spencer e Terence Hill, JVP e Paulinho Santos), aparece a voz de António Simões a fazer-nos pensar. E recuar…