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As dinâmicas do nosso Sistema de Governo

As dinâmicas do nosso Sistema de Governo

Sónia Leal Martins 03/11/2023 16:35

O nosso Sistema de Governo é dinâmico e varia mediante a prática constitucional. São vários os cenários que demonstram a dinâmica do sistema.

O Sistema de Governo da Constituição da República de 1976 passou por duas fases, a primeira vigorou de 1976 a 1982 e a segunda daí em diante até aos dias de hoje. A classificação do Sistema de Governo resulta dos poderes de cada um dos Órgãos de Soberania, do modo de eleição de cada um destes e da interdependência entre eles.

São muitos os Constitucionalistas que já se pronunciaram sobre esta matéria, sendo que entre nós a terminologia de semipresidencialismo é dominante. Há, no entanto, quem o classifique de parlamentarismo racionalizado e de sistema parlamentar-presidencial.

De entre as classificações possíveis e tendo em conta o Direito Constitucional Comparado, a terminologia de semipresidencialismo já não se encontra no espírito da nossa Constituição – esta foi a classificação correta até 1982. 

Isto deve-se ao facto de a Revisão Constitucional de 1982 ter ditado o fim de um dos poderes mais importantes que o Presidente da República tinha até então, o Governo deixou de depender politicamente do Presidente da República, passando a depender exclusivamente da Assembleia da República.

Esta alteração, negociada entre Mário Soares, Francisco Balsemão e Diogo Freitas do Amaral, com o intuito de retirar poderes ao General Ramalho Eanes alterou o Sistema de Governo, dando-lhe maior pendor parlamentar. Ramalho Eanes apercebeu-se das consequências desta alteração e ainda como Presidente da República patrocinou a criação do PRD – Partido Renovador Democrático.

É meu entendimento que o sistema de governo português é um parlamentarismo racionalizado. Mas porquê o termo racionalizado? É que apesar de o Presidente da República ter perdido um dos seus maiores poderes e ter alterado forçosamente a classificação do Sistema, o Presidente da República continuou a ser eleito por sufrágio universal e direto e mantém o poder de dissolução, ainda que a utilização deste poder também ele tenha sido revisto. E por isso, não estamos perante um sistema puramente parlamentar.

Há outros argumentos, que na minha opinião, reforçam a tese de que o Sistema não é semipresidencial, são exemplos: o Presidente da República não é a figura central do Sistema, mas sim o Primeiro-Ministro, o Presidente não preside ao Conselho de Ministros; o Presidente não lidera a política externa (sendo esta conduzida pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros e pelo próprio Primeiro-Ministro).

Como referi, classifico o Sistema de Governo como um parlamentarismo racionalizado, no entanto, este é dinâmico e varia mediante a prática constitucional. São vários os cenários que demonstram a dinâmica do Sistema.

Se tivermos um Governo com apoio minoritário na Assembleia da República – Cavaco Silva em 1985, António Guterres em 1995 e 1999 e José Sócrates em 2009 – o Presidente da República ganha protagonismo no Sistema, logo o pendor presidencial intensifica-se e aqui já estamos mais perto daquilo a que chamamos de semipresidencialismo.

No caso de termos um Governo maioritário com o apoio de dois ou mais partidos – Durão Barroso em 2002, Pedro Santana Lopes em 2004, Pedro Passos Coelho em 2011 e António Costa em 2015 – o sistema aproxima-se mais daquilo que resulta da Constituição. A Assembleia da República ganha protagonismo, em relação ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro. Trata-se de um sistema mais próximo daquilo que é a letra da Constituição.

Se tivermos um Governo maioritário de um só partido – Cavaco Silva em 1987 e 1991, José Sócrates em 2005 e António Costa em 2021 – o Primeiro-Ministro ganha muito protagonismo porque é simultaneamente líder do Governo e do partido maioritário na Assembleia da República. O sistema altera-se significativamente para um Presidencialismo de Primeiro-Ministro.

Um exemplo claro daquilo que é o poder parlamentar no nosso sistema de Governo leva-nos a 2015. A coligação Portugal à Frente, liderada por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas ganhou as eleições sem maioria. O Presidente da República ouvindo os partidos políticos e tendo em conta os resultados eleitorais, indigitou como Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho, que formou Governo.

No entanto, para entrar em funções, o Governo tem de ver aprovado na Assembleia da República o seu programa de Governo – o que não se verificou porque a maioria parlamentar não o quis – ora ficou bem demonstrado que o poder do Presidente da República nesta matéria é limitado – foi contra a vontade de Cavaco Silva que António Costa se tornou Primeiro-Ministro sem ter vencido as eleições, mas este tinha uma maioria parlamentar que o sustentava e o Presidente nada podia fazer.

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