08/12/2023
 
 

Ternura de Agosto

Avós, bisavós, trisavós, poses imponentes de juízes conselheiros, agora também o fantasma do meu pai e da minha tia Luísa, ecos para a eternidade de conversas, frases, gargalhadas, o metralhar da Remington do meu avô Joaquim no escritório interrompido pelo pling da frase que chegava ao fim da folha.

Fecho a porta atrás de mim e sinto o peso de mais de duzentos anos ao longo dos corredores, das salas e dos quartos da velha Casa de São Bernardo, em Águeda. Fico sozinho com os meus fantasmas. Avós, bisavós, trisavós, poses imponentes de juízes conselheiros, agora também o fantasma do meu pai e da minha tia Luísa, ecos para a eternidade de conversas, frases, gargalhadas, o metralhar da Remington do meu avô Joaquim no escritório interrompido pelo pling da frase que chegava ao fim da folha. Sou eu e os meus mortos. Eu fantasma de mim mesmo que aqui aprendi a andar e a falar, que aqui fui criança e adolescente e adulto, que aqui fui pai e agora avô de um príncipe de olhos azul-coral chamado Duarte, ponto mais alto da minha tão cansada ternura. Abro as janelas que se debruçam sobre os limoeiros. Quero de volta o sabor dos pêssegos e das ameixas e a sombra da nespereira tão antiga. Quero de volta a paixão que tive por ti e que nunca morrerá enquanto eu não morrer, o fascínio do teu sorriso e o conforto da tua mão apaziguando as minhas angústias. Continuo a ouvir passos no soalho mesmo sabendo que ninguém virá, nunca mais ninguém virá, e que ficarei entregue à minha melancólica solidão. Sento-me na varanda de madeira e o sol entra pelas vidraças trazendo o calor do meio-dia. Escrevo porque é a única coisa que sei fazer e porque escrevendo recordarei vivos os meus mortos. Hoje, dia 8 de Agosto, a minha filha Francisca faz anos. Tem uns olhos azuis-impossíveis como os do sobrinho que talvez jamais venha a conhecer. Cumpre-se, no seu aniversário, o extremo da maldade daqueles que ma roubaram mentindo, enganando, usando e abusando de um poder judicial que se cala cobardemente e se barrica numa inutilidade desarmante. Também faz anos que não a vejo. Oito ou nove, já lhes perdi a conta nesta soma de doer por dentro todos os dias a sua ausência desde o tempo e que a levantava sobre a cabeça e corríamos atrás dos pássaros.  Amo-a como nunca. Francisca: o mais doloroso dos meus fantasmas, quero que saibas que continuo aqui. Para sempre.

 

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