02/10/2023
 
 
Dessalinização. “Porque não se avançou mais cedo para esta solução?”

Dessalinização. “Porque não se avançou mais cedo para esta solução?”

Maria Moreira Rato 06/06/2023 22:17

“Será que esta solução das centrais de dessalinização é ambiental e economicamente sustentável a longo prazo?”, questiona Alfredo Graça, geógrafo e editor-chefe da Meteored Portugal.

Portugal padece cronicamente daquilo que conhecemos como seca. Todos os anos é comum ouvirmos com bastante frequência, nos meios de comunicação social, o quão gravoso este fenómeno – essencialmente caracterizado pela ausência de precipitação durante um longo período de tempo e que resulta na enorme escassez hídrica para os solos, campos, rios e barragens de uma determinada região – pode ser para a sociedade e economia de um determinado local, região ou país”, começa por descrever Alfredo Graça, geógrafo e editor-chefe da Meteored Portugal (equipa do tempo.pt).

“Daí se geram problemas a vários níveis, nomeadamente, no que toca ao setor agrícola, à pecuária ou até mesmo na questão do armazenamento e abastecimento hídrico, bem como um adequado fornecimento de bens alimentares. Ora, uma das mais badaladas hipóteses para frenar este problema, e que é constantemente apontada como uma das possíveis soluções à ciclicidade de secas que Portugal continental enfrenta, sobretudo nas regiões do Nordeste Transmontano, Alentejo e Algarve – expostas com uma maior frequência a este fenómeno – são as centrais de dessalinização”, avança, explicando que “este tipo de infraestruturas transforma a água salgada do mar em potável, apresentando-se como uma solução fundamental para o combate à escassez de água em regiões áridas, um tipo de região cujo clima é fundamentalmente parecido ao do Norte de África, por exemplo”.

“Aliás, segundo aquilo que é defendido em vários estudos científicos, o Sul de Portugal continental poderá, dentro de poucas décadas, apresentar um clima muito semelhante ao da região setentrional de África, persistindo com maior frequência, duração e intensidade a questão da ocorrência de secas”, observa. E questiona:“Com um país que apresenta mais de 900 km de costa, completamente virada para o Atlântico, porque não se avançou mais cedo para esta solução? Será que esta solução das centrais de dessalinização é ambiental e economicamente sustentável a longo prazo? Se Portugal instalasse mais deste tipo de centrais, que desafios se colocariam?”.

“Desde o início do século XXI que se tem verificado uma frequência, intensidade e duração deste fenómeno, cada vez maior. Fruto das sucessivas secas que Portugal tem vindo a enfrentar, tendo uma das mais severas ocorrido no ano passado (2022), o Governo português decidiu avançar com a construção de uma central de dessalinização na região do Algarve, esperando-se a sua conclusão até março de 2026, no âmbito do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência)”.

Recorde-se que a seca em Portugal agravou-se no mês de abril. De acordo com o IPMA, 89% do território continental estava em seca, valor que quase duplicou em relação a março. Destacava-se a região Nordeste, na classe de seca moderada, e na região sul, com os distritos de Setúbal, Évora, Beja e Faro, nas classes de seca severa a extrema. No que diz respeito aos números, no final de abril, 33,2% do território estava em seca moderada, 22% em seca fraca, 19,9% em seca severa, 14,1% em seca extrema e 10,8% normal. 

“Também para a região do Alentejo está em estudo a possível instalação de uma central de dessalinização. Em termos práticos, é fenomenal poder resolver ou solucionar a questão da escassez hídrica com a instalação de centrais de dessalinização – sobretudo em períodos de seca, ou então de muito calor, pontualmente tórrido, e de ausência de precipitação como é o verão”, acrescenta Alfredo Graça. “Durante todo o ano, o gasto de água é substantivo em Portugal continental, mas é sobretudo a época estival que implica enormes gastos de água, quer para fins industriais, quer para fins de abastecimento público, agrícolas e/ou turísticos. Isto requer, naturalmente, uma cuidada e eficaz gestão dos recursos hídricos, que evite o desperdício desnecessário de água”, nota.

“Todavia, como se costuma dizer, ‘não há bela sem senão’. E, por isto mesmo, apesar do inegável sucesso obtido com a instalação da central de dessalinização na ilha de Porto Santo (Madeira) na década de 1980, solução na altura pioneira e que permitiu a sustentabilidade em termos hídricos, a todas as escalas e níveis, desta pequena ilha do arquipélago madeirense, porque não se avançou ainda com o desenvolvimento e construção deste tipo de centrais no Continente?”, pergunta, respondendo logo de seguida:“Porque há custos e impactos, do tipo financeiro, ambiental e energético que devem ser considerados”.

“Sabendo que a solução das centrais de dessalinização pode e deve ser considerada para Portugal continental, uma das primeiras coisas que devemos ter em conta é que cada central de dessalinização é única na medida em que a sua localização depende de fatores locais como o ambiente geográfico e geológico, e dos quais depende a qualidade da água de entrada e de saída e a capacidade de produção. Mas todas elas têm em comum a necessidade constante e ininterrupta de uma fonte de alimentação”, explica, frisando que “após a consideração da localização geográfica de uma possível central de dessalinização, considere-se os possíveis impactos ambientais”. 

“E eis que assim, deparamo-nos com um dos grandes problemas das centrais de dessalinização na atualidade: o elevado gasto energético empregue no processo de purificação da água (3 kWh/m3). Hoje em dia, a tecnologia mais difundida neste tipo de processos recorre ao método da osmose inversa, um processo intensivo em energia. Além do mais, sendo um processo que requer um grande consumo de combustíveis fósseis, que geram emissões de gases com efeito de estufa, acaba por contribuir para as alterações climáticas”, diz o mestre em Riscos, Cidades e Ordenamento do Território pela FLUP e mestrando em Ensino de Geografia na mesma instituição.

“E ambientalmente, como se isto não bastasse, os resíduos derivados do processo de dessalinização que voltam para o oceano e rios, como a salmoura, podem perturbar o normal funcionamento dos ecossistemas costeiros e marinhos. Daí resultam impactos negativos para os ecossistemas marinhos locais, dado que substâncias como a salmoura possuem uma elevada concentração de sal, que pode afetar o equilíbrio salino e a vida aquática, ao ser descarregada em grandes quantidades e de forma acelerada”, continua.

Por último, realça que se devem considerar os custos económico-financeiros, pois “a construção e o funcionamento das instalações de dessalinização podem ser caros”. Além disto, há que ter em linha de conta os custos associados às infraestruturas, à manutenção, até porque a gestão das centrais de dessalinização podem tornar-se simplesmente proibitivos para muitas regiões, sobretudo para as que possuem recursos financeiros limitados”, declara Alfredo Graça, sendo que um dos exemplos paradigmáticos da dessalinização é o de Israel, em que 85% da água potável – que chega a aproximadamente nove milhões de habitantes – é proveniente do mar. Essa quantidade de água é gerada por meio da operação de cinco centrais dessalinizadoras, resultando em aproximadamente 600 milhões de metros cúbicos anualmente.

“Não é de descartar o investimento privado, ou parcerias público-privadas, que apostem nas centrais de dessalinização como formas de superar o problema da escassez hídrica”, equaciona Alfredo Graça. “Ao investirem nesta solução, desde que com a adequada deliberação sobre os possíveis impactos ambientais e energéticos, poderão ultrapassar muitos dos problemas que, por exemplo, setores como a Agricultura enfrentam quase anualmente”, conclui.

Ler Mais

Os comentários estão desactivados.


×

Pesquise no i

×
 


Ver capa em alta resolução

iOnline