
O Estado deve garantir o acesso à saúde a todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade (artº 64 da CRP).
Quanto ao acesso ao serviço público de saúde, a realidade mostra as dificuldades que os cidadãos enfrentam diariamente. Falta de consultas atempadas, urgências com tempos de espera inaceitáveis – quando não estão encerradas e cirurgias com tempos de espera que ultrapassam os prazos clinicamente aceitáveis. A perspetiva da reforma de um número significativo de profissionais de saúde nos próximos tempos só faz antever um agravamento significativo no futuro próximo. Em consequência, assiste-se a uma transferência da acessibilidade do setor público para o privado com o consequente aumento de custos para os cidadãos pondo assim em causa o princípio de um acesso universal e geral tendencialmente gratuito. Chega a ser pungente verificar que, numa determinada localidade, uma unidade pública não responde às necessidades da população e, no mesmo local, uma unidade privada responde.
Numa outra vertente de análise não deixa de ser interessante verificar que unidades públicas que até há pouco eram geridas por entidades privadas – as denominadas Parcerias Público-Privadas – deixaram de responder às necessidades da população e vieram engrossar o número de unidades incapazes de dar resposta – o Hospital de Loures é um caso exemplar. O Estado não está a ser capaz de conseguir assegurar adequados padrões de eficiência e de qualidade nas instituições de saúde públicas.
Em suma, o que a realidade mostra é que o setor privado floresce e o setor público definha e fragiliza-se.
No meu entendimento são três as razões para esta realidade. Em primeiro lugar uma deficiente arquitetura do sistema público de saúde. Depois, regras de gestão que não promovem a eficácia e a eficiência. E em terceiro lugar uma questão de natureza ideológica.
Quanto à arquitetura. O Serviço Nacional de Saúde assenta nos cuidados primários como seu pilar fundamental. O modo de funcionamento deste pilar tem-se mostrado ineficiente e falacioso. A sua ineficiência está comprovada pelo surgimento nas urgências de um número crónico e significativo das denominadas “falsas urgências. A falácia reside na implementação do conceito “Médico de Família”. Cada família deveria ter um Médico de Família e não um Clínico Geral. Cada Médico de Família deveria ter a seu cargo um determinado número de famílias. O Médico de Família saberia a situação de saúde de um agregado familiar e dos seus componentes, assumiria uma atitude preventiva e de educação para estilos de vida saudáveis, visitaria esse agregado e não, como hoje acontece, na versão clínico geral, diria falaciosamente que geria um ficheiro com milhares de utentes dos quais nem metade vai à consulta uma vez por ano. Esta prática, conveniente, para fazer um horário público das nove às treze e depois ir trabalhar para o privado não serve para suportar um sistema de cuidados de saúde primários eficiente.
Quanto às regras de gestão. Um profissional de saúde tem que ser remunerado de acordo com a sua competência e produtividade. Sem uma adequada autonomia para gerir os recursos humanos nas condições que o mercado de trabalho estabeleceu, as unidades públicas de saúde nunca conseguirão ser eficientes e ser concorrentes com o setor privado. Por outro lado, deve ser a competência e não o Partido a determinar quem gere as unidades públicas de saúde. Os exemplos de incompetência na gestão das unidades públicas de saúde chegam a ser chocantes.
Ao acabarem com os Hospitais SA acabaram com esta facilidade de o setor público poder competir com o setor privado. O fanatismo ideológico virou o feitiço contra o feiticeiro.
Se querem cumprir a Constituição deem ao setor público as mesmas regras que os privados tem para gerir as suas unidades e reformem os Cuidados de Saúde Primários.
A terceira razão é de natureza ideológica. A esquerda em Portugal é a direita da Europa. Imobilista, avessa a reformas e de visão curta. Assim, para ela, defender o SNS, é atacar os privados. Não são capazes de ver que a opção pela iniciativa privada é dos cidadãos portugueses que não encontram alternativa no setor público, que os profissionais de saúde dos privados são os mesmos do setor público cansados de serem mal remunerados pelo Estado. Assim, a CULPA DESTA SITUAÇÃO é desta esquerda retrógrada e conservadora que não consegue afirmar o primado do cidadão português face à natureza do prestador do serviço. É desta esquerda que na prossecução da lógica salazarista deixa que os funcionários públicos e outros agentes do Estado tenham regras diferentes e privilegiadas em relação ao restante povo trabalhador. É esta esquerda que não se importa que as grandes empresas tenham seguros privados para os seus trabalhadores e que os rurais se fiquem pela ineficácia e demoras do SNS.
Assim, se querem cumprir o artigo 64º da Constituição da República Portuguesa digam à esquerda que basta de LOGRO.
Ex-administrador hospitalar