27/03/2023
 
 
Saúde mental para todos ou só para alguns?

Saúde mental para todos ou só para alguns?

Sofia Ramalho 14/03/2023 13:29

Este seria o contexto certo para intervenções psicológicas de primeira linha, para a leitura e promoção de mudanças nos comportamentos do dia a dia de crianças, jovens e adultos, tendo em conta os seus contextos de vida pessoal, familiar, social, académico ou de trabalho, remetendo para uma segunda linha a necessidade de recorrer e de gastar dinheiro ao próprio e ao Estado em psicofármacos.

A necessidade de recorrer a serviços públicos para obter apoio para mais saúde psicológica ou para responder a um problema de saúde mental tem tido um enorme crescimento em Portugal e na Europa nas últimas décadas. A ideia de que apenas aqueles que necessitam de cuidados continuados de saúde mental para perturbações mentais, o estigma associado aos hospitais psiquiátricos que atualmente se extinguem, ou a ideia de que a saúde mental estava destinada aos “loucos” há muito têm dado lugar a que qualquer pessoa procure apoio para cuidar e promover a sua saúde psicológica e para aliviar o seu sofrimento psicológico. Tal, mais do que justifica o direito à universalidade, gratuitidade e equidade no acesso a cuidados de saúde psicológica de qualidade no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Nos últimos anos, a saúde mental é um dos principais motivos de procura de consultas nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) pelos portugueses. Mas o acesso está limitado a apenas alguns. Serviços de saúde mental organizados e eficientes, e mais profissionais de saúde mental precisam-se urgentemente. Muito especialmente psicólogos. Os cerca de 300 que integram os CSP são manifestamente poucos, discriminando e abandonando à sorte uma grande parte da população que fica impossibilitada de aceder.

Este seria o contexto certo para intervenções psicológicas de primeira linha, para a leitura e promoção de mudanças nos comportamentos do dia a dia de crianças, jovens e adultos, tendo em conta os seus contextos de vida pessoal, familiar, social, académico ou de trabalho, remetendo para uma segunda linha a necessidade de recorrer e de gastar dinheiro ao próprio e ao Estado em psicofármacos.

Mas as pessoas têm realmente acesso aos cuidados de saúde psicológica gratuita, de que necessitam, em Portugal? Não. Não universal, gratuita ou equitativamente! Depois de perder a mãe para a COVID-19, a ansiedade e o medo da morte passaram a estar presentes no dia a dia da Joaquina (nome fictício), que já pouco saboreava a comida, dormia mal e já não desejava estar com amigos, nem sentia prazer em receber a família em sua casa. No trabalho, preferia colocar os fones o tempo todo, para não ouvir vozes ou mostrar o seu mau humor, e ficava em pânico sempre que se aproximava a data de entrega dos relatórios de desempenho. Resistente, mas seguindo o conselho da filha, procurou o Centro de Saúde da sua área de residência. Com muita sorte, quase seis meses depois teve acesso à primeira consulta, mas a segunda ficou marcada para dali a seis meses depois. Sem que tivesse recebido a intervenção necessária e atempada, os sintomas agravaram-se e instalaram-se, dando agora origem a ataques de pânico e a um quadro depressivo, que a inibiram de poder exercer a sua atividade profissional durante algum tempo. É assim com uma parte significativa das pessoas que procuram apoio psicológico por via do SNS.

Uma reforma no SNS na atualidade só pode contemplar o direito básico de acesso de todos, sem exceção, à saúde e ao bem-estar. 

 

Vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses

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