27/03/2023
 
 
Saúde em mudança? O que falta?

Saúde em mudança? O que falta?

Miguel Guimarães 14/03/2023 13:15

O SNS não vive sozinho em Portugal e tem a Europa a olhar para nós. Ou somos competitivos ou corremos o risco da situação atual se agravar. 

Na Saúde, Portugal distinguia-se de outros países europeus pela qualidade do seu serviço público. Na verdade, durante muitos anos, apesar das dificuldades próprias de um país com recursos limitados, o nosso SNS permitiu a democratização do acesso a cuidados de saúde. O que falta então a Portugal para recuperar o tempo perdido? O que falta ao SNS para que os médicos e outros profissionais optem em primeiro lugar por ficar a trabalhar no serviço público?

Os princípios fundadores do SNS já não são cumpridos. A sua genética está a desintegrar-se. Por exemplo, a dignidade das pessoas nos cuidados de saúde já teve melhores dias. A equidade no acesso a cuidados de saúde nunca foi universal e a situação tem-se agravado de forma substancial nos últimos anos. Escapa a solidariedade porque está basicamente na dependência dos impostos que pagamos.

As dificuldades que temos hoje no SNS já têm uns anos de evolução e a tão propalada mudança tarda em acontecer.

Mais de 1.5 milhões de cidadãos não têm médico de família atribuído. Continuamos a derrapar de forma preocupante nos tempos máximos de resposta garantidos para consultas, cirurgias e exames. Os serviços de urgência continuam instáveis e sem reforma à vista. Umas vezes encerram outras estão abertos. Continuamos com um défice significativo a nível dos cuidados continuados e paliativos. A reforma da saúde pública aguarda melhores dias. E por aí fora.

Na verdade a saúde em mudança que todos desejamos ainda não está a acontecer. O que falta? Falta um plano para a saúde em Portugal que seja consistente e claro, para que todos os cidadãos o entendam. Um plano que transmita confiança aos doentes e aos profissionais de saúde. Falta a revisão da carreira médica e das outras carreiras para que sejam criadas as condições adequadas, incluindo as salariais, para cativar os médicos e outros profissionais, e equilibrar o capital humano no SNS. Falta modernizar o SNS e torná-lo competitivo. O SNS não vive sozinho em Portugal e tem a Europa a olhar para nós. Ou somos competitivos ou corremos o risco da situação atual se agravar. Falta um novo modelo de gestão que permita aos hospitais e ACeS terem autonomia, mais governação clínica e mais flexibilidade nos processos de gestão. Falta implementar a verdadeira transformação digital, com o processo clínico único à cabeça. Falta libertar os médicos de tarefas administrativas e burocráticas e melhorar os procedimentos informáticos, dando mais tempo aos médicos para os seus doentes. Falta mais cuidados integrados e menos cuidados fragmentados. Esta situação é evidente quando confrontamos os hospitais e os cuidados de saúde primários. Falta aumentar o investimento em investigação, inovação e qualidade. Faltam mais cuidados continuados e paliativos. Falta implementar uma verdadeira reforma hospitalar que também inclui o serviço de urgência. Falta criar um Instituto Público, independente e financiado através do OE, que se dedique em exclusividade a promover a saúde, a prevenir a doença e a educar os cidadãos para a saúde e para a utilização dos serviços de saúde (com professores, engenheiros,...). E as faltas e situações podiam continuar. Por exemplo, tive agora a notícia que se demitiram das suas funções de chefe de urgência mais um conjunto de médicos de medicina interna, desta vez do hospital S. Francisco Xavier. É urgente que a mudança aconteça.

 

Ex-Bastonário da Ordem dos Médicos

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