
A situação presente no país conduz a uma discriminação social das pessoas mais vulneráveis e desfavorecidas, que não tendo meios financeiros para recorrer ao setor privado, têm que suportar as consequências da falta de resposta do SNS.
A incapacidade de resposta dos serviços de urgência hospitalares às necessidades da população, como tem sido repetidamente noticiado na Comunicação Social, em especial no caso das urgências dos hospitais da Região de Lisboa e Vale do Tejo, é apenas uma manifestação de um problema de fundo do Serviço Nacional de Saúde (SNS): a sua incapacidade de garantir o acesso a todos os portugueses aos cuidados de saúde de que necessitam, de forma universal, geral e (tendencialmente) gratuita, como determina a Constituição.
No caso especifico das urgências hospitalares, o seu fecho (em algumas especialidades como obstetrícia e pediatria) e o mau atendimento à população, têm a ver, no essencial, com a falta de organização e gestão e com a falta de profissionais médicos, em resultado da incapacidade do Governo, nos últimos anos, em criar condições (de melhores remunerações, de perspetivas de carreira, de uma melhor organização) que pudessem evitar a saída de profissionais experientes e qualificados, para o setor privado e para o estrangeiro, e atrair e reter os mais jovens.
A acrescer a esta situação, houve também uma falta de planeamento quanto ao recrutamento de novos profissionais que permitisse colmatar a saída (que era previsível) de profissionais mais idosos para a reforma.
Mas o problema grave do acesso pela população aos cuidados de saúde, manifesta-se também:
– Nas elevadas e persistentes listas de espera para cirurgias e na incapacidade de cumprir, em grande parte dos hospitais do SNS, os TMRG (Tempos Máximos de Resposta Garantida) previstos na lei, para a sua realização;
– nos prazos inaceitavelmente elevados para consultas hospitalares, chegando a atingir meses ou mesmo anos, em alguns hospitais e em determinadas especialidades;
– na falta de resposta dos Cuidados Primários, com cerca de 1,5 milhões de pessoas, hoje, sem médico de família.
Esta situação de degradação de resposta do SNS tem vindo a verificar-se apesar do aumento dos recursos financeiros de forma significativa. Nos 7 anos dos governos socialistas as despesas correntes totais do SNS aumentaram de 9,1 mil milhões (mM) em 2015 para cerca de 14mM em 2022. Ou seja, a maiores recursos no SNS corresponde um pior desempenho.
A incapacidade de resposta do SNS levou a que cerca de 3,5 Milhões de pessoas possuam, hoje, seguros de saúde privados. Ou seja, os portugueses para terem acesso aos cuidados de saúde no tempo e no modo de que necessitam e têm direito, pagam do seu bolso os seguros de saúde quando a Constituição lhes garante a gratuitidade do acesso (apenas com taxas moderadoras).
A adicionar a estes 3,5M de pessoas existem, ainda, mais cerca de 1,3 M (funcionários públicos e elementos das forças de segurança e respetivas famílias) que recorrem também generalizadamente ao setor privado, (no caso da ADSE os funcionários públicos pagam 3,5% dos seus vencimentos mensais) o que obviamente não fariam se a resposta, gratuita, do SNS, fosse a mesma da que obtêm no setor privado.
Em síntese, cerca de 48% da população portuguesa procura de forma generalizada, pagando, o setor privado da saúde, por falta de resposta do SNS, com exceção da procura dirigida, mas residual, aos cuidados de saúde não cobertos ou insuficientemente cobertos pelo SNS, como por exemplo os cuidados dentários. E a procura de seguros de saúde privados tem vindo a aumentar constantemente como comprovam os dados da ASF-Autoridade de Supervisão do Setor de Seguros que referem um aumento anual constante.
De notar ainda que o pagamento de seguros privados de saúde não esgota o esforço financeiro que as famílias têm que suportar para terem acesso a cuidados de saúde: 27% das despesas totais em saúde, em Portugal, são ainda suportadas pelas famílias enquanto pagamentos diretos aos prestadores, uma das percentagens mais elevadas no contexto europeu..
A situação presente no país conduz a uma discriminação social das pessoas mais vulneráveis e desfavorecidas, que não tendo meios financeiros para recorrer ao setor privado, têm que suportar as consequências da falta de resposta do SNS, como referido.
Ou seja, esta situação leva à existência de uma realidade dual, discriminatória, entre os portugueses, contrária à garantia constitucional de equidade no acesso aos cuidados de saúde: os que têm meios financeiros recorrem ao setor privado, pagando, e os mais vulneráveis e desfavorecidos têm que suportar a falta de resposta do SNS.
Esta situação, por outro lado, leva também à conclusão que é a falta de resposta do SNS que alimenta, em larga medida, o crescimento do setor privado da saúde, através da procura que lhe é dirigida pelos cidadãos e não a transferência de recursos do Estado para o setor privado como afirmam os partidos de extrema-esquerda.
Economista, gestor