29/03/2023
 
 

O último (a)paga a luz

A riqueza energética das nações não é uma fatalidade imutável, depende certamente das condições naturais mas depende muito da tecnologia e da forma como o Estado permite que os mercados se organizem.

 

Na tensão dialéctica entre o intervencionismo estatal e a liberdade dos mercados a evolução legislada pela União Europeia para o mercado da energia obrigou a passar do monopólio estatal vertical (a EDF que serviu de modelo à EDP, criada em 1975 por via da nacionalização de 13 operadores) onde se incluíam todos os serviços (electricidade, gás natural, produção, distribuição em “alta” e distribuição capilar e, quando chegou a vez do gás natural, também o armazenamento). A criação de um mercado interno de electricidade e de gás obrigou à separação das diversas funções no monopólio vertical e à abertura do mercado a outros operadores. A construção do mercado interno não obrigava à privatização do operador histórico (como veio a acontecer em Portugal e ao contrário do que continua a acontecer com a EDF, maioritariamente detida pelo Estado francês) e menos ainda à privatização do operador da rede de transmissão. Ao contrário do propalado mercado interno, a UE vive em situação de balcanização energética porque a ausência de interconexões entre as diversas regiões cria barreiras físicas intransponíveis. A ausência de melhores interconexões é fruto do proteccionismo nacional na defesa das apostas energéticas nacionais (o nuclear em França, o gás natural russo na Alemanha).

Com a prestimosa ajuda do Sr. Putin o mercado interno da energia está a ser aperfeiçoado. Aumentam-se as interconexões, a rede tradicional de gasodutos inverteu o sentido leste-oeste para poder ser abastecida pelos terminais de LNG (muitos dos quais são novos, desde logo na Alemanha que os não tinha), os investimentos em renováveis multiplicam-se e, no médio prazo, começa a ser possível pensar em armazenar energia de origem renovável, sob a forma de hidrogénio verde, para lá da água acumulada nas barragens (sempre variável em função da repetição e duração dos períodos de seca).

Parece que as forças do mercado estariam finalmente a provar a sua bondade não se tivesse verificado, durante muitos meses, uma brutal subida dos preços do gás natural, causada pela desaparição do fornecimento russo, pela seca, pela paragem técnica da maioria dos reactores nucleares franceses e pela enorme especulação financeira nos mercados de gás natural.

A financeirização da economia inclui os mercados de energia. O efeito especulativo é multiplicado pela lógica de remuneração marginal da energia no mercado interno da electricidade. A remuneração marginal deveria promover a eficiência da produção e premiar as novas tecnologias. No entanto no mercado há produtores que beneficiam de investimentos públicos históricos (grandes hídricas e nuclear) que têm um prémio de preço descomunalmente elevado.

A mistura, no mesmo saco, de grandes consumidores (uma fábrica que consume 150 MW) com pequenos consumidores, PME’s e famílias (ainda que não beneficiando dos mecanismos de protecção contra a pobreza energética como a tarifa social de electricidade aplicada em Portugal) sujeita a grandes amplitudes de preço consumidores com perfis muito diferentes.

Por estas razões a Comissão Europeia irá propor em breve a limitação da remuneração marginal para certas fontes (provavelmente a hídrica e a nuclear) e estabelecer mecanismos de contratação de preços a longo prazo (na lógica dos tradicionais contratos de aquisição de energia) acessíveis aos consumidores atomizados.

O pêndulo da história está, no mercado interno da energia, a voltar ao intervencionismo, moderando a exuberância excessiva dos mercados.

           

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