
Trinta anos depois – após ter-se escapulido para o Brasil – a personagem desta história, que era de gancho, uma mulher que andava por aí vestida de homem a incomodar cidadãos e a perpetrar assaltos, foi finalmente apanhada pelas malhas da justiça com muito dinheiro nos bolsos e num sovaco.
Já era conhecida pela polícia há uns bons trinta anos. Passara umas temporadas nas esquadras de Lisboa e, de repente, depois de uma temporada em que passou despercebida, voltou a arranjar sarilhos desta vez em São Domingos de Benfica. Os agentes ficaram logo com a pulga atrás da orelha. A Maria Rapaz, uma mulher que gostava de vestir-se de homem e conseguia passar por um engrossando a voz e arqueando um bocado os ombros, diz-se que teria fugido uns tempos para o Brasil onde continuou a arranjar tranquibérnias graças à sua personalidade muito, mas muito, complicada.
De repente, fez-se notar em Lisboa outra vez para azar dos pacatos habitantes da cidade que tinham rezado às alminhas para que o estupor nunca mais viesse a assombrá-los. As alminhas fizeram ouvido de mercador e, uma bela manhã, o alarme estava dado: “A Maria Rapaz estava de volto e já pilhara a casa de um senhor de posses que vivia sozinho, exceptuando a presença precária da enfermeira que lidava com as suas maleitas. Depois, ainda sem o dinheiro que lhe fazia falta para escorropichar uns copos e jogar à batota, decidiu que seria mais feliz se roubasse os velhos departamentos da Brás & Brás. Azaruncho!
Na esquadra do Teatro Nacional, para onde Maria Rapaz foi levada para interrogatório, revelou finalmente a sua verdadeira identidade: Aurora de Sousa, de nome de batismo, 72 anos de idade, natural do Bonfim, Porto, onde começara desde muito jovem a usar aquelas farpelas de casaco e colete e sapatos de gáspia branca. Tratava-se com esmero. Um muito masculino esmero.
Foram-lhe aos bolsos, pois claro. Uma misturada terrível. 40 mil liras, 47.500 cruzeiros e 2.750 escudos dos nossos. Dali saltou para o Governo Civil onde uma funcionária de zelo e esmero dignos de uma medalha desconfiou que as coisas podiam não ter ficado por tão pouco. Mandou despir a Maria Rapaz até ficar tal como o bom Deus a pôs no mundo. Foi dar com mais um conto e quinhentos colados com fita cola num dos sovacos da mulher. Ninguém podia negar que ela tivesse expediente.
Sem um tostão nos bolsos, Maria Rapaz foi, finalmente, entregue às ordens da Polícia Judiciária que ficou encarregue de lavrar o processo. Levada para a secção das celas femininas, viu-se despojada do seu fato preferido e obrigada a andar de camisa até aos pés como todas as outras. De Maria Rapaz já não tinha nada. Era apenas uma velha decrépita.