Governo. Tolerância Zero

Governo. Tolerância Zero


António Costa esperou que Pedro Nuno Santos apresentasse a demissão, mas o ministro entendeu que pode continuar no Governo. O PM manteve-o em funções mas avisou-o: ‘Nem mais um deslize!’. E a continuidade já estava decidida antes do encontro entre ambos em S. Bento.  


António Costa foi apanhado de surpresa com o anúncio de Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, relativamente ao projeto para o novo aeroporto de Lisboa, e esperou até ao final da manhã de quinta-feira que o ministro apresentasse a demissão, apurou o Nascer do SOL. Mas Pedro Nuno Santos recusou demitir-se, por entender que tinha condições para continuar em funções, uma vez que tinha agido de boa fé e sem intenção de desautorizar o primeiro-ministro. O SOL apurou – e noticiou às duas da tarde de quinta-feira na sua edição online – que Pedro Nuno Santos ficaria no Governo com uma condição: assumir todas as responsabilidades por esta crise e pedir desculpas públicas ao Presidente da República, ao chefe de Governo e aos seus pares no Executivo. Mas além da condição, o primeiro-ministro deixou-lhe o aviso: não tolerará «nem mais um deslize!» ao ministro das Infraestruturas. Ao que o SOL apurou, Costa traçou mesmo uma linha de tolerância zero. Só depois de Pedro Nuno Santos acatar é que António Costa marcou a conversa final em São Bento para quando chegasse a Lisboa, regressado de Madrid.

Reunião com autarcas e jornalistas

Quarta-feira começou cedo para o ministro Pedro Nuno Santos, que se reuniu da parte da manhã com os quatro autarcas envolvidos nos aeroportos do Montijo e Alcochete e, à tarde, recebeu os diretores dos principais meios de comunicação social. Por volta das quatro da tarde começaram a surgir as notícias nos vários sites desses meios. À noite, Pedro Nuno Santos andou numa verdadeira maratona de televisão para televisão, tendo assumido uma postura considerada arrogante por vários analistas, nomeadamente com o Presidente da República e o líder do PSD e da Oposição. 

A manhã de quinta-feira começa com o anúncio bombástico da revogação, pelo primeiro-ministro, do despacho do Ministério das Infraestruturas. Costa estava em Madrid e recusou fazer qualquer comentário sobre o assunto, remetendo os jornalistas para o comunicado que o seu gabinete emitira sobre aquela decisão. A demissão do ministro estava em cima da mesa e as hipóteses que se colocavam eram apenas duas: ou Pedro Nuno Santos apresentava a demissão ou seria exonerado por António Costa. Mesmo entre os socialistas, a continuidade de Pedro Nuno Santos no Governo era  considerada impossível, face a uma situação apontada por todos como «insustentável».

Pedro Nuno Santos, saído de S. Bento, marcou uma declaração à imprensa para o Ministério das Infraestruturas. Onde fez o mea culpa por «toda esta situação crítica à volta do despacho de avaliação ambiental estratégica».

E valeu-lhe o pedido de desculpas. No fim das contas, nem se demitiu, nem António Costa o afastou. «Até os políticos são humanos e como todos os seres humanos também cometem erros. O mais importante é quando os erros ocorrem, as pessoas terem consciência deles e corrigirem-nos. O ministro das Infraestruturas já revogou o despacho que tinha sido ontem [quarta-feira] publicado», disse o primeiro-ministro, revelando: «Tive uma conversa muito franca [com Pedro Nuno Santos] e para mim bastante esclarecedora. Tenho a certeza que o ministro das Infraestruturas não agiu de má-fé, compreendeu bem o erro que cometeu, teve a humildade de o assumir publicamente, teve a humildade de corrigir o erro que tinha cometido. Acho que a confiança está totalmente restabelecida».

Revogação

No comunicado em que António Costa anunciou a revogação do diploma em questão, o PM disse que a solução para o novo aeroporto de Lisboa «tem de ser negociada e consensualizada com a oposição, em particular com o principal partido da oposição», e que «em circunstância alguma, sem a devida informação prévia ao senhor Presidente da República».

Já Nuno Santos negara antes que esta tivesse sido uma decisão unilateral, argumentando, em declarações à RTP: «Nós já andamos há anos demais a decidir. Já chega. O país está sistematicamente a discutir localizações para o aeroporto. Já chega. Não havia nenhuma decisão, nenhuma escolha que não fosse ser alvo de críticas, o que é preciso é o Governo decidir e o Governo decidiu. Vamos avançar. Já estamos atrasados. Já é tempo demais», rematou.

Disse, ao mesmo canal, na quarta-feira, que não tinha de informar o PR sobre o anúncio da decisão.

Puxão de orelhas

Quem também foi apanhado de surpresa, aparentemente, no meio desta ‘confusão’, foi Marcelo Rebelo de Sousa, que falou previamente com António Costa.

«É o primeiro-ministro que escolhe os seus colaboradores e que é [ele] que deve a cada momento, olhando para o passado e para o presente, ver se são aqueles que estão em melhores condições para terem êxito nos seus objetivos», disparou o Presidente da República, desde Belém, em reação à polémica entre Costa e Nuno Santos.

O PM «é naturalmente responsável pela escolha mais ou menos feliz e pela avaliação que faz», recordou Marcelo, avisando: «O Governo foi mandatado por voto maioritário dos portugueses há três meses […] a equipa escolhida pelo primeiro-ministro que tenha as melhores condições para prosseguir estes objetivos, sabendo que, se assim for, os objetivos são atingidos; se assim não for, os objetivos não são atingidos e a responsabilidade da escolha é, pela Constituição, do primeiro-ministro».

Uma reação curta, sem direito a questões dos jornalistas, que se centrou em dois eixos: mostrar o descontentamento pelo ‘arrufo’ interno do Governo, e pedir uma resposta definitiva à questão do novo aeroporto de Lisboa, que se alastra há décadas.

Marcelo focou três pontos: pediu que a decisão seja tomada de forma «relativamente rápida», por se tratar de uma matéria urgente; que seja «consensual», recordando que assim o prometeu o primeiro-ministro, em referência às negociações com o novo líder do PSD; e que seja «consistente do ponto de vista político, técnico e do direito», para que os portugueses «olhem para ela e pensem que é para levar a sério, que é fazível».

Reações políticas

Toda a polémica em torno do anúncio de Pedro Nuno Santos sobre os planos para o novo aeroporto de Lisboa incendiou o debate político.

O PSD – que tem novo presidente, de forma oficial, a partir deste fim de semana – não hesitou em deixar um ponto assente: a demissão de Pedro Nuno Santos deveria ter sido um facto. Houve quem apontasse o dedo a Nuno Santos por ter anunciado esta decisão sem ouvir a direção do partido ‘laranja’, principal voz da oposição à maioria absoluta do PS, e a realidade é que o partido de São Caetano à Lapa não poupou nas declarações.

Pedro Nuno Santos «não tem condições para estar no Governo», afirmou Rui Rio, líder do PSD até à tomada de posse de Luís Montenegro no 40.º Congresso do partido, que decorre neste fim de semana. A partir do Parlamento, Rio disparou: «Não foi uma decisão do Governo. foi uma decisão unilateral de um ministro, decisão de extrema gravidade, de falta de respeito ao primeiro-ministro. O ministro não tem condições para estar no Governo, mas não sou eu que sei, é o primeiro-ministro». O líder do PSD sugeriu que «até o Presidente da República poderia forçar essa demissão», augurando que «se [Pedro Nuno Santos continua em funções, é uma confusão geral».

«Isto é manifestamente uma derrota para o Governo», continuou Rio, apontando o dedo ao facto de o ministro das Infraestruturas ter estado, no passado, ligado a outras polémicas, «designadamente a TAP», pelo que «já não devia estar no Governo». Aliás, Rio até sugeriu que a decisão de Pedro Nuno Santos de avançar com este despacho foi precisamente para forçar a sua saída do Governo. «Não sei até que ponto faz isto por causa do dossier [da TAP] que criou», questionou o líder do PSD. 

Morte política de Pedro Nuno

No ‘rol’ de dedos apontados à crise interna no Governo seguiu-se André Ventura, líder do Chega, terceira força política presente na Assembleia da República, que pronunciou a ‘morte política’ de Pedro Nuno Santos, acusando a «impossibilidade da continuação de Pedro Nuno Santos como ministro deste Governo».

«Após o conhecimento do que tivemos hoje, em que o primeiro-ministro desautoriza política e expressamente o seu ministro das Infraestruturas, eu penso não há nenhuma condição para que Pedro Nuno Santos continue como ministro da República», argumentou Ventura, em declarações aos jornalistas na AR, mostrando também ainda «preocupação e até estupefação» perante a decisão do primeiro-ministro de revogar o despacho. Ventura considerou «lamentável» que o anúncio de uma decisão tenha horas depois ficado «sem qualquer efeito», algo que, disse, mostra a «descoordenação em que o Governo se encontra nesta matéria».

«Assistimos a um ministro desrespeitar diretamente o Governo e o seu PM», revelou Ventura. «Nem no Bangladesh, nem nos Camarões acontecia. O que está a acontecer em Portugal é um circo inacreditável», continuou, afirmando que «Pedro Nuno Santos já não existe politicamente» e está «desautorizado a todos os níveis pelo próprio primeiro-ministro».

República das bananas

À direita, as críticas seguiram-se pela voz de João Cotrim Figueiredo, líder da Iniciativa Liberal, que comparou a situação a uma ‘república das bananas’. «Temos um primeiro-ministro que não tem autoridade sobre o seu próprio Governo, um Governo que tem três meses de funções e que tem maioria absoluta e que devia, por isso, ser mais estável e ter mais mão naquilo que se passa e temos um ministro – e se calhar não é o único – que acha que pode fazer o que quer no Governo sem informar a quem de direito», disse, considerando que não se trata mais de uma questão política, mas sim de «dignidade pessoal perante uma humilhação pública destas».

Apesar de não ter mais assento parlamentar, o CDS-PP, pela voz do seu líder, Nuno Melo, também se pronunciou sobre a polémica entre Pedro Nuno Santos e António Costa. Num vídeo de reação, Nuno Melo considerou que o PM, «sem autoridade», destruiu «a sua credibilidade e a do ministro em direto perante um país inteiro», defendendo que «um despacho com força jurídica, publicado no Diário da República, não é um erro de comunicação».

Esquerda aproveita

À esquerda, não faltaram críticas, mas divergentes. O PCP argumentou que a revogação do diploma em questão mostrou «grande descoordenação» no Governo. «[A decisão do primeiro-ministro] revela a fragilização do Governo relativamente às posições que tem assumido sobre a construção do novo aeroporto», disse a líder parlamentar comunista, Paula Santos, ‘chutando para canto’ um eventual comentário sobre as condições do ministro das Infraestruturas para se manter no Governo. «Pode sair um ministro, pode entrar um novo ministro. A questão que importa é: qual é que é a opção do Governo? O que é que impede o Governo de avançar com a construção do novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete?», comentou a líder parlamentar comunista.

Já o Bloco de Esquerda, pela voz de Pedro Filipe Soares, foi mais duro: «Há um desgoverno do Governo neste momento em Portugal sobre matérias estratégicas e sobre as quais já estavam há anos em discussão no seio do governo. E sobre isto, o primeiro-ministro deve explicações ao país». Em vez de pedir a demissão, o deputado bloquista preferiu apontar o dedo ao «caos político incompreensível», considerando que a maioria absoluta se transformou num «pântano». 
Inês Sousa Real, deputada única do PAN, classificou o recuo na proposta para o novo aeroporto de Lisboa de «uma decisão sensata». Não se metendo nas decisões do Governo sobre quem sai e quem fica. 

O também deputado único Rui Tavares, do Livre, foi na mesma onda, considerando que a decisão (Montijo+ Alcochete) «não fazia nenhum sentido». Ainda assim, Tavares assinalou que o Executivo deve «deixar a oposição para a oposição».