O Paraíso que não sai das ondas
A diferença entre mim e eles, quando contemplamos esse céu de Verlaine, tão azul e tão calmo, é que há em mim uma vontade irresistível de Índia e eles se contentam com uma varanda em Alcácer.
O compositor alemão Jakob Liebmann Meyer Beer era de tal forma fascinado pelas óperas de Rossini que, a partir de certo momento da sua vida, preferiu italianizar o seu nome para Giacomo Mayerbeer. Morreu antes de ver subir ao palco a sua obra L’Africaine, com libreto escrito em francês por Eugène Scribe. Ainda lhe chamam A Africana mas a verdade é que Mayerbeer, depois de ter lido uma tradução de Os Lusíadas, alterou o nome da ópera para Vasco de Gama (assim com de), e modificou vários actos de forma a que o palco dos acontecimentos tivessem lugar em Lisboa e na Costa do Malabar.
Aliás, a morte do compositor (dramaticamente no dia seguinte a ter concluído o seu trabalho) fez com que um tal de François-Joseph Fétis, belga, tenha resolvido aplicar-lhe uma série de alterações que a transformaram num novelo confuso e quase incompreensível. “Pays merveilleux, jardin fortune/temple radieux, salut!/O Paradis sorti de l’onde/ciel si bleu, ciel si pur/dont mes yeux sont ravis/Tu m’appartiens”, cantava o nosso Vasco como um pássaro apaixonado, talvez como um destes meus pardais que andam a ficar cada vez mais esquisitos, desprezando o arroz carolino e o integral, e bicando apenas o arroz agulha. A diferença entre mim e eles, quando contemplamos esse céu de Verlaine, tão azul e tão calmo, é que há em mim uma vontade irresistível de Índia e eles se contentam com uma varanda em Alcácer.
Mayerbeer terminou A Africana em 1864 (ano da sua morte), mas nos anos-50, o dr. Francis Lefebure, um parisiense que tirou o curso de medicina mas acabou por se fanatizar pelo ocultismo por via da influência de Arthème Galip, ucraniano que, refugiado da IIGrande Guerra, desapareceria na América do Sul, passeou-se alegremente por Portugal assumindo-se como uma reencarnação de Vasco da Gama. Ninguém lhe prestou mais atenção do que a um pardal. Mesmo que suspirasse: “ò meu Paraíso saído das ondas...” Talvez porque as ondas continuem a encher as praias de lixo e o Paraíso não passe de uma promessa por cumprir. Hei-de perguntar aos pardais. Eles sabem tudo porque conhecem o céu. afonso.melo@ionline.pt