No momento em que os representantes dos países da África, Caraíbas e Pacífico e da União Europeia na Assembleia Parlamentar Paritária que decorreu em Estrasburgo entre 1 e 3 de abril, debatiam acaloradamente o tom e a intensidade com que cada um estava disposto a condenar a brutal agressão da Federação Russa contra a soberania territorial da Ucrânia e contra o direito à autodeterminação do seu povo, começaram a cair nos telemóveis, de que hoje todos dispomos, as imagens do intolerável massacre que ocorreu em Bucha.
Muitos se tem escrito sobre se esse morticínio será um ponto determinante na mudança do contexto no conflito e também sobre a veracidade dos conteúdos ou a autoria efetiva do assassinato em massa. Para as vítimas da barbárie isso já não lhes devolve a vida. Mas para a humanidade e para a comunidade internacional o que está em jogo é agora ainda mais importante do que aquilo que estava antes.
António Guterres apelou a “uma investigação independente, para que se encontrem os responsáveis pelo massacre de Bucha”. É fundamental fazê-lo, mas esse tem que ser apenas o primeiro passo. Os responsáveis, uma vez identificados, têm que ser exemplarmente punidos à luz do direito internacional. Já não estávamos e agora ainda estamos menos, apenas perante um crime contra a soberania. Estamos perante um crime contra a humanidade.
O desespero do fracasso da estratégia dos oligarcas russos em dobrar a coligação pela liberdade dos ucranianos e de todos quando no mundo os têm apoiado, tem vindo a justificar o ultrapassar de linhas vermelhas, felizmente ainda não na escalada do armamento e do uso catastrófico do arsenal nuclear, mas na exploração do choque e do pavor até aos limites do impensável e do intolerável.
A Federação Russa não avaliou o poder de resistência de um povo e de quem com ele tem sido solidário, quando um conflito salta da racionalidade dos jogos de interesses para a dimensão emocional da defesa da integridade moral, dos valores éticos e do sentido da vida de quem é ou se sente atacado.
No inicio do conflito, os estrategas que agora pululam nos ecrãs falavam de um rolo compressor imparável que não deixaria pedra sobre pedra na identidade e no território ucraniano. Depois surgiram as ameaças das armas sofisticadas até ao limite da destruição maciça. Finalmente chegámos ao ponto do asco ignóbil da matança indiscriminada. É um ponto que confronta o sentido último daquilo que somos.
Na Assembleia Parlamentar Paritária que comecei por referir neste texto, o debate sobre a agressão Russa à soberania territorial da Ucrânia foi acalorado e refletiu posições já antes expressas na votação da resolução das Nações Unidas.
Embora sem reflexos na tomada de posição final, fiquei, no entanto, com o sentimento de que houve uma tomada de consciência comum de que já não era apenas a soberania e a violação do direito internacional que estava a ser debatido.
Era o choque e o pavor como arma contra a humanidade. Talvez nesse patamar possamos mais facilmente alargar e aprofundar o movimento global de rejeição e ação para parar a guerra, sobretudo se o apuramento da responsabilidade sobre o que está a acontecer puder chegar sem distorções aos cidadãos de todo o mundo, o que está longe de ser uma tarefa fácil.