
Troy Kotsur tornou-se o primeiro homem surdo a vencer um Óscar.
Quando subiu ao palco do Dolby Theater para entregar o Óscar de Melhor Ator Secundário, a atriz sul-coreana Youn Yuh-jung fez uma piada sobre um incidente que sucedeu na cerimónia do ano passado, quando ela própria recebeu a estatueta.
Yuh-jung sublinhou que se deu ao trabalho de aprender a pronunciar o nome de todos os nomeados da presente edição, uma referência ao facto de, no ano passado, Brad Pitt ter pronunciado mal o nome da atriz quando chegou a hora de entregar o prémio.
Depois dos risos, a Yuh-jung abriu o envelope e, após um silêncio profundo, anunciou em linguagem gestual o nome do grande vencedor da noite. Troy Kotsur tornava-se assim o primeiro ator surdo do sexo masculino a vencer este prémio.
Kotsur, que subiu ao palco enquanto a audiência batia palmas em linguagem gestual, foi um dos grandes destaques do filme CODA (acrónimo que significa Child Of Deaf Adult, em tradução livre ‘Filho de adultos surdos’), que também venceu o Prémio de Melhor Filme do Ano. CODA conta a história de uma jovem, Ruby Rossi (interpretada por Emilia Jones) que nasce com a capacidade de ouvir no seio de uma família onde todos são surdos. Kotsur interpreta o papel de Frank Rossi, o pai surdo de Ruby.
Enquanto Yuh-jung segurava o seu Óscar, Kotsur fez o seu discurso de agradecimento inteiramente em linguagem gestual. “É incrível estar aqui, nesta jornada. Nem acredito que estou aqui. Muito obrigado aos membros da Academia por reconhecerem o meu trabalho”, declarou.
Nascido em Mesa, no Arizona, um dos maiores subúrbios de Phoenix, em julho de 1968, e foi só quando Kotsur tinha nove meses que os seus progenitores perceberam que ele era surdo.
Ao longo da sua infância, os pais sempre lhe disseram para fazer tudo aquilo que os seus amigos, surdos ou não, faziam, fosse desporto ou na área das artes, culminando na sua paixão pelo cinema.
Começou por participar em peças de teatro na sua escola secundária e foi encorajado pelo seu professor a enveredar por esta área.
Trabalhou num canal televisivo regional de Phoenix como assistente de um editor. Contudo, ao perceber a barreira que existia em termos de comunicação, sentiu esfumar-se o sonho de ser realizador. “O meu sonho de realizar filmes terminou depois de aceitar que vivo num mundo em que as pessoas não sabem usar a minha linguagem”, reconheceu.
Ainda assim, apesar da porta da realização parecer estar a encerrar, Kotsur começou a receber propostas enquanto ator da companhia National Theatre of the Deaf, sediada no pequeno estado do Connecticut, gozando de uma longa e prolífica carreira ao longo de cerca de 30 anos, onde desempenhou papéis em produções como Um Elétrico chamado desejo, Ratos e Homens e Ophelia.
Em 2007, chegou ao cinema através do filme The Number 23, do realizador Joel Schumacher, onde Jim Carrey desempenha o papel de um homem obcecado com o número 23. Seguiram-se papéis menores em várias séries de televisão, como CSI Nova Iorque, Scrubs, Mentes Criminosas ou The Mandalorian, até que, em 2013, realizou o seu primeiro filme, No Ordinary Hero: The SuperDeafy Movie.
CODA foi sem dúvida a grande oportunidade do ator no cinema, acabando elogiado, igualmente, pela crítica e fãs. “Kotsur oferece uma presença terrena de um pai carinhoso mas com a horrível reputação de apreciar más piadas”, escreve a Empire, citando um dos seus momentos humorísticos favoritos de Frank Rossi durante o filme: “Porque é que os peidos cheiram mal? Para também os surdos os apreciarem”.
“É realmente fantástico que o nosso filme, CODA, tenha atingido uma audiência global e que tenha inclusive chegado à Casa Branca”, contou Kotsur durante o seu discurso de agradecimento, recordando ainda o momento em que conheceu o Presidente dos Estados Unidos.
“A Presidência convidou o cast de CODA para visitar e conhecer a Casa Branca e o Presidente Joe Biden e a Dra. Jill. Eu estava a planear ensiná-los a dizer alguns palavrões, mas a Marlee Matlin [co-protagonista do filme, como a mãe da família, no papel de Jackie Rossi] disse para eu me comportar”, relatou enquanto a audiência sorria. Prometeu ainda à sua colega, que, em 1987, no filme Children of a Lesser God, se tornou a primeira pessoa surda a ganhar um Óscar, que não ia soltar nenhuma “f-bomb” durante o seu discurso. “Em vez disso, quero agradecer todos os teatros para pessoas surdas que me deram oportunidade de desenvolver a minha arte”, agradeceu, fazendo ainda um tributo ao seu pai.
“O meu pai era a melhor pessoa da minha família a utilizar a linguagem gestual, mas um acidente de automóvel deixou-o paralisado da cintura para baixo e ficou impedido de utilizar esta forma de comunicar”, explicou. “Pai, aprendi muito contigo. Vou amar-te para sempre. És o meu herói”.
O ator americano já tinha arrecadado a distinção de melhor ator secundário nos Prémios BAFTA, SAD e Indie Spirit, e, agora, recebe o maior prémio da indústria de cinema, impondo-se a atores como Ciarán Hinds (Belfast), Jesse Plemons (The Power of the Dog), J.K. Simmons (Being the Ricardos) e Kodi Smit-McPhee (The Power of the Dog).