
Fundou o Instituto New Economy para ajudar a criar um “criptohub” em Portugal. A ideia é conseguir que as centenas de criptomilionários que estão cá a viver fixem aqui as suas empresas. Mas para isso é preciso taxar de forma inteligente.
Licenciado em Ciência Política pela McGill University, no Canadá, trabalhou durante doze anos nos Serviços de Informações. Entrou no mundo das criptomoedas por razões tanto tecnológicas – “tenho um lado geek”, assume – como ideológicas. Enquanto presidente do Instituto New Economy (https://neweconomy.institute), faz pedagogia sobre como funcionam as criptomoedas, sublinhando o seu potencial para revolucionar a economia e a sociedade. Diz que, na realidade, o bitcoin é apenas o começo.
Como começou a interessar-se pelo mundo das criptomoedas?
Entrei tanto por razões tecnológicas – tenho um lado geek da criptografia – como ideológicas. Em termos políticos e sociológicos o bitcoin é uma experiência fantástica. Achei fascinante como o Satoshi [o japonês que criou o bitcoin] conseguiu montar um sistema que pôs pessoas no mundo inteiro, que não se conhecem de lado nenhum, todas as trabalhar para o mesmo lado, a seguir as mesmas regras e a criar uma rede cada vez maior em que não há nenhuma entidade dominadora. Não é por acaso que a bitcoin é a rede mais segura do mundo – em onze anos esteve um dia ou outro em baixo, mas no início. Mesmo o Google e o Whatsapp estiveram em baixo. Os centralizados têm esse risco: podem estar em baixo por problemas tecnológicos, por decreto governamental ou porque há um hacker que resolve rebentar com o sistema. Na rede bitcoin, os bandidos que tentem fazer batota são banidos da rede. Prejudicam-se a si próprios. E o sucesso está à vista. Tanto que começou com a bitcoin e já há mais de duas mil criptomoedas.
Diz-me então que o bitcoin nasceu como um projeto sério. Mas há outras criptomoedas que são paródias, brincadeiras, etc. Se for preciso sobem mil por cento num dia. E no dia seguinte caem dois mil...
Claro que 90% das moedas que existem agora vão desaparecer, valer zero. Tenho amigos que querem entrar, veem alguém que ficou rico e eles também querem. O português quer ganhar dinheiro muito depressa sem fazer nada. Por isso é que se vê toda a gente a jogar nas raspadinhas. Boa sorte. Se fosse fácil estavam todos ricos. Na maior parte das criptomoedas o risco é muito grande, é como comprar penny stocks.
Aquelas ações que valem muito pouco, que são uma espécie de segunda liga da bolsa?
Sim, até há aquele filme do Lobo de Wall Street, com o Leonardo Di Caprio, em que estão sempre a tentar impingir aquilo. Penny stocks não valem nada, é burla pura e simples. Mas existem desde sempre. E há muita gente que cai naquilo. Acontece o mesmo com a maioria das criptomoedas.
Diria que, se o bitcoin funciona como as ações da bolsa, algumas dessas criptomoedas são quase como uma aposta de casino.
Sim, até lhe pode sair a sorte grande e ganhar muito. Mas o mais provável é perder tudo.
Quais são os cuidados que se deve ter?
Algumas são mais especulativas do que outras. Normalmente tento ver a equipa que está por trás e a blockchain. Se tem substância e está a resolver um problema que existe, pode ser um sucesso numa escala brutal. É como comprar ações da Apple ou da Microsoft no início. Muitos dos primeiros trabalhadores da Microsoft reformaram-se ao fim de cinco ou dez anos, porque tinham milhões em ações. Uma coisa que tenho notado é que geração mais nova quer entrar já em cripto, não quer saber de Wall Street, não vai investir em ações. Por isso é inexorável que a cripto vá ter um market capital brutal. Atualmente tem à volta de um trilião e o cripto todo não chega a dois triliões de dólares. Isso não é nada. Só o mercado do ouro tem dez triliões. Para o bitcoin substituir o ouro vai ter de chegar aos 400 mil, 500 mil dólares – só para substituir o ouro, fora outros ativos financeiros.
Prevê uma espécie de transfusão do mercado tradicional para este mundo virtual?
Sim, do sistema antigo, apoiado pelos governos, preso por arames, para o sistema cripto, que é revolucionário, até porque ninguém consegue confiscar. O Estado, hoje, pode mandar congelar as suas contas, fica-lhe com o dinheiro todo. Em cripto não lhe conseguem fazer isso.
Mas pode começar a taxar, por exemplo?
Pode, isso já existe em vários países. Agora, há anos que oiço dizer que os políticos vão banir bitcoin. Podem tentar o que quiserem. Só quem não percebe da tecnologia é que acha que isso é possível. Se a China, que controla tudo, não o consegue fazer – e o sistema chinês é castelo de cartas que um dia vai colapsar, por isso é que o Politburo chinês tem muita necessidade de controlar emissão da moeda – como é que vão conseguir nos Estados Unidos ou aqui na Europa? O Henry Ford, quando lançou o model T, também levou com uma data de processos. Na altura quem tinha carro eram os ricos, o carro era um artigo de luxo. De repente aparece um jovem a querer criar um carro barato para as massas, ameaçou o seu monopólio. O que é que fizeram? Como tinham acesso ao poder legislativo, fizeram legislação para tentar impedir o model T. Graças a Deus, o Henry Ford ‘marimbou’ e fez à mesma, e sabemos o resultado. Hoje toda a gente tem carro. Se não o tivesse feito, se calhar ainda hoje os carros eram um artigo de luxo só para alguns.
Portugal, é um ‘paraíso’ para cripto?
É um paraíso e ainda bem. As pessoas não têm noção disso, mas diria que estão cá uns mil criptomilionários.
Porque cá não pagam impostos?
E porque gostam do país. Vêm para cá e fazem aqui a sua vida privada. Conheço vários americanos que estão a fugir um bocadinho do caos nos Estados Unidos e estão a vir para Portugal, estão a comprar cá casa e metem os miúdos cá na escola. Há um lado negativo – isso tem inflacionado os preços no imobiliário.
É mau para quem quer comprar casa, mas é bom para quem vende.
Sim, mas quem vive em Lisboa, por exemplo, nota que o custo de vida subiu. Isso é o lado negativo. Mas acho que o benefício que trazem à economia compensa. Infelizmente Portugal não tem uma política clara. A pessoa está isenta de impostos a nível pessoal, mas se tiver uma corretora de cripto, por exemplo, pago IRC como qualquer outra empresa. Agora, a nível individual é um grande atrativo, por enquanto, e ainda bem. A ideia – e por isso é que criei o Instituto New Economy – é tentar que essas pessoas que cá estão ajudem a criar um criptohub. Não se limitem a vir viver para cá, tragam as suas empresas, criem valor acrescentado e contratem localmente. O Mitchell [Amador], um luso-canadiano que se mudou para cá, é um dos meus cofundadores do Instituto New Economy. Tem uma empresa chamada Immunefi. O salário mais baixo que ele paga – o mínimo dos mínimos – é por volta de 70 mil dólares por ano. Para o mundo cripto é um salário baixo, para a realidade portuguesa… Se não tivermos a parte estúpida fiscal, que castiga quem mais ganha, se pelo menos criarmos uma zona livre tecnológica, conseguimos atrair o talento de volta.
O que produz uma empresa dessas como a Immunefi?
Neste caso faz proteção de contratos de DeFi [Decentralized Finance]. Esse é outro mundo, um novo modelo financeiro. Dou-lhe um exemplo: eu preciso de um empréstimo amanhã. Neste momento vou ao banco, falo com eles, pago uma comissão de avaliação, comissão disto e daquilo, com uma data de intermediários… Em DeFi, no meu computador, empresto as minhas bitcoins a um protocolo nos Estados Unidos e no dia a seguir tenho na minha conta bancária o valor do empréstimo em euros, e com taxas de juro a pagar 1%. Onde é que se consegue taxas de juro de 1% hoje em dia? O mundo DeFi já começa a comer o mundo financeiro tradicional, porque quem sabe começa a usar estes instrumentos para pedir empréstimos, para investir, para fazer tudo e mais alguma coisa sem ter de passar por um intermediário centralizado, pagar comissões, etc.
E é seguro?
Essa é a parte negativa. Neste momento, o valor ‘trancado’ nesses protocolos de critpo já vai em mais de 100 biliões. Há um ano era um bilião, portanto veja como disparou. Isso depois tem problemas de segurança, é o reverso da medalha. Se há lá muito dinheiro, os bandidos começam a tentar procurar falhas, e já aconteceu roubarem muitos milhões. A empresa do Mitchell oferece recompensas aos hackers para procurarem esses bugs e depois reporta aos donos dos protocolos.
Estão a blindar o sistema?
Exatamente. Em dezembro do ano passado houve um ataque contra um protocolo chamado MATIC polygon. Eles tinham cerca de 20 biliões de dólares em risco. Nós na Immunefi soubemos dessa vulnerabilidade, porque houve um white hat hacker [um hacker que trabalha do lado da lei] que trabalhava para nós que nos informou. Informámos a equipa do Polygon e eles em 24 horas conseguiram proteger o dinheiro. Ainda houve um hacker que conseguiu roubar dois ou três milhões, mas é peanuts. Conseguiu-se proteger 20 biliões. A empresa do Mitchell faz isso, e está a crescer brutalmente. Neste momento até tem dificuldade em contratar pessoas. Temos quatro ou cinco pessoas em Portugal, uns estão na China, outros na Croácia... A Croácia mudou agora a sua política fiscal, para ser muito atrativa para cripto. Há pessoas, dos tais nómadas digitais, que já estão a ir para a Croácia.
O facto de haver cada vez mais trabalho remoto também pode beneficiar a blockchain – as pessoas trabalham à distância e recebem à distância?
Sem dúvida. Vou dar um exemplo. Com cripto, eu transfiro dez milhões em dez minutos. Ninguém me consegue parar. E não pago comissões, pago talvez um dólar pela transferência. Outro dia houve uma das maiores transferências de sempre: 700 milhões em bitcoin que foram transferidos de uma carteira para outra. Pagaram um dólar e meio. Agora imagine transferir 700 milhões no sistema SWIFT em dez minutos e pagar um dólar e meio. São duas realidades completamente diferentes, e quem não perceber isso vai ficar para trás. E eu quero que Portugal não fique para trás, até porque neste momento temos a sorte, por variadíssimas razões, de alguns dos criadores dos maiores protocolos de cripto estarem cá em Portugal. Estamos a falar de bilionários.
Conhece algum?
Bilionários conheço três ou quatro. Multimilionários sei de centenas. E há muitos mais a quererem vir para cá. Quase todos os dias recebo telefonemas.
E estão cá a viver?
Sim, a viver, a comprar casas, a consumir, alguns a criar empresas – não cá em Portugal, e isso é das coisas que temos de mudar. Temos as peças todas, falta-nos a peça mais importante, que é a previsibilidade fiscal. Há muitos que querem investir aqui, mas não trazem o dinheiro enquanto não tiverem essa garantia da estabilidade. Ainda ontem estive com uns canadianos que têm um projeto muito interessante. Há uma espécie de catos que absorve muito bem o CO2. Estes canadianos, que são investidores reformados, já fizeram isto no México e em África e agora querem vir para Portugal.
Uma espécie de painéis solares, versão ambiente?
Versão amiga do ambiente. E depois querem criar um token que represente esse parque, esse ativo. Ele dizia-me ontem: ‘Queremos ajudar, queremos investir aqui muitos milhões. Mas como é que a gente faz?’. Portugal é complicado…
Os advogados não ajudam?
Ajudam um bocadinho. Mas o problema que todos eles referem é o ‘complicómetro’. Quando se começa a falar de IRC, de IRS, de escalões…
Era mais simples um imposto único?
Nem mais. É o princípio KISS: ‘Kit it simple, stupid’. O simplex não pode ser só digitalizar com a mentalidade do antigamente. Isso para mim não é simplex, é digitalizar a burocracia. Uma das coisas que me perguntam é: ‘Portugal vai manter-se como paraíso fiscal das criptomoedas?’ Não sei, é pouco provável, acho que Portugal provavelmente vai taxar. Mas se o fizermos de forma inteligente, ganhamos. Se for como o Bloco de Esquerda – ‘estes tipos têm dinheiro, vamos tirar-lhe 40%’…
Aí vai tudo embora.
No dia a seguir. A história está cheia desses exemplos, no entanto parece que não aprendem nada. Dou outro exemplo. A primeira critpo exchange portuguesa, a Criptotloja, que é de um amigo meu, foi criada em julho ou agosto, e foi agora comprada por um gigante brasileiro que quer entrar pelo mercado europeu adentro. Em sete meses. Qual é o ativo muito importante que a Criptoloja tem? Uma licença do Banco de Portugal para ser um ‘virtual assets service provider’. Mas demorou sete meses para conseguir uma coisa que devia demorar umas semanas. E só conseguiu a licença porque expirou o prazo para o Banco de Portugal responder… Isso não é competitivo. A Binance, que é um dos maiores gigantes do mundo em cripto – biliões e biliões – está à procura de uma sede. Queriam vir para Portugal, mas entraram em contacto com o Banco de Portugal e perceberam que com esta mentalidade não dá. Provavelmente vão parar à Suíça, a uma Estónia ou a um Luxemburgo, onde vão pagar milhões e milhões em impostos. Portugal está a deitar fora estas oportunidades.
Por falta de visão?
Por cegueira, por ideologia, por desconhecimento. Variadíssimas razões. Mas são oportunidades históricas que não podemos perder. Dou-lhe outro exemplo, que é o Diogo Mónica. Está nos Estados Unidos a lançar o banco Anchorage, um sucesso brutal. É um português do Técnico, mas infelizmente não o fez em Portugal. Queremos que esses talentos fiquem cá, a criar valor acrescentado. Mas para isso é preciso um Governo que não tenha a mentalidade: ‘Estes ricos ganham muito dinheiro, vamos taxá-los’. Assim vão-se todos embora. Ou comemos uma parte pequenina de um bolo enorme, ou então queremos comer uma fatia enorme do bolo, à Bloco de Esquerda, e o bolo desaparece. Quem tem capacidade e meios vai-se embora, não fica a trabalhar sete meses do ano para sustentar o Estado.
Há uma pergunta que muita gente coloca: como se transforma a bitcoin em dinheiro?
Vende na corretora, como uma ação. Dá a ordem de venda, ela é vendida. Depois não pode transferir o dinheiro para uma conta que não esteja em seu nome, por causa das regras contra a lavagem de dinheiro. É como ter um quadro da Paula Rego. Pode valer um milhão, mas se a pessoa não o vender não vale nada. Só vale o milhão quando aparecer um comprador e o dinheiro cair na sua conta.
E bitcoin é ou não é mau para o ambiente?
Não, e os estudos mais recentes demonstram isso.
Dizem que gasta tanta energia como um país.
Certo, mas isso não é necessariamente mau. O Instagram se calhar gasta mais energia do que a bitcoin. Mas eu acho que se calhar ter uma moeda que não é controlada por ninguém é mais importante para a humanidade do que uma data de fotografias das vaidades e os likes do Instagram. E isso é outro erro, dizer que o consumo de energia é mau para o ambiente. As sociedades vão consumir cada vez mais energia, é um sinal de progresso civilizacional. A questão é se o input para lá chegar é poluente ou não é poluente. Se é poluente, como carvão, é mau para o ambiente. Se são energias renováveis, geotermal, como na Islândia, ou o vulcão no El Salvador, como é que isso é mau para o ambiente? É energia que não está a ser usada. Aliás, o facto de o custo da energia ser um dos fatores importantíssimos no lucro que se consegue em mineração de bitcoin incentiva o mercado a encontrar formas de aproveitamento mais eficientes e energia mais barata e não poluente. Mais de 50% da rede bitcoin já é produzida com energia renovável. Mostre-me outra indústria onde isso acontece. Se formos comparar então com o sistema financeiro… A pegada ecológica dos mercados e dos bancos todos é mil vezes maior. Essa história de que bitcoin é mau para o ambiente é outro mito.
Faz mineração de bitcoin?
Não, mas se tivesse um vulcão ao pé de casa estava a minerar bitcoin neste momento [risos]. Em Portugal não é rentável porque o nosso custo da energia é muito alto. Mas até por isso acho que seria interessante o estado ter um fundo soberano investido em bitcoin e a minerar bitcoin. As mineradoras bitcoin funcionam como uma bateria. Um dos grandes problemas das renováveis é a energia que não se consegue armazenar. Há alturas em que a rede não precisa dessa energia, portanto o produtor não ganha nada. Imagine que nesses momentos está a minerar bitcoin com essa energia. Até pode ser o Estado a fazer, para ser um ativo para o país. Se um dos alicerces do próximo sistema monetário – todo digital – vai ser bitcoin, como eu acredito, Portugal, tendo muitas bitcoins, era como ter a reserva de ouro ali no Carregado.
A bitcoin veio para ficar?
O mundo está em mudança radical, e o blockchain não é a causa mas vai acelerar esta mudança. Imagine um cenário em que o orçamento do Estado está todo em blockchain. As finanças públicas ficavam completamente escrutináveis. É um mundo novo que se abre. Em termos de blockchain, estamos como a internet no princípio dos anos 90, estamos ainda na fase dos pioneiros, de muita gente desconfiada, pouca gente a perceber, mas não tenho grandes dúvidas de que daqui a dez, quinze anos toda a gente está a usar blockchain, mesmo sem saber que está a usar blockchain.