Rui Tavares. “Faz falta ter vários partidos representados no Parlamento”

Rui Tavares. “Faz falta ter vários partidos representados no Parlamento”


O líder do Livre acredita num regresso ao Parlamento, defendendo “convergência” à esquerda para travar “o risco de ter uma maioria de direita”.


Rui Tavares mostra-se otimista à possível reentrada no Parlamento, pelo menos, tendo em conta o que as sondagens indicam. No entanto, reconhece que para o Livre “meio ponto a mais ou meio ponto a menos faz uma diferença muito maior” face a outros partidos maiores e que poderá fazer a diferença entre eleger um grupo parlamentar ou não eleger qualquer deputado, tal como aconteceu em 2015. Defensor de uma maioria à esquerda, que seja plural, acredita que só assim é possível afastar uma maioria de direita.

E não tem dúvidas: “Os nossos concidadãos querem é ter várias vozes representadas no Parlamento, umas com as quais concordam mais, outras com as quais concordam menos, mas que saibam trabalham em conjunto. Esse sentido de responsabilidade e essa visão do futuro faltou nesta legislatura, infelizmente”. O líder do Livre foi o responsável por colocar em cima da mesa temas, como o projeto piloto do Rendimento Básico Incondicional (RBI) e, apesar de admitir que houve uma tentativa por parte dos outros partidos em caricaturar a medida, reconhece que serviu para discutir o tema. 

Rui Tavares prefere falar do futuro e o que defende para o país, mas acabou por reconhecer que a saída de Joacine Katar Moreira do partido, deixando o Livre de ter representação parlamentar, acabou por comprometer os planos que tinha nesta última legislatura.
 
O que espera das eleições? Acredita que o Livre pode voltar a ter representatividade no Parlamento? 

O Livre está numa fasquia e também na média dos resultados anteriores, o que nos permite pensar na reentrada no Parlamento, eventualmente com um grupo parlamentar, porque há sondagens que indicam essa possibilidade: com a eleição de deputados em Lisboa e no Porto. Mas também é preciso termos um sentido do realismo nesta fasquia, em que no Livre meio ponto a mais ou meio ponto a menos faz uma diferença muito maior do que em outros partidos que estão mais à frente nas sondagens. Com meio ponto a mais elegemos de certeza um grupo parlamentar, meio ponto a menos podemos não eleger e pode repetir-se o que nos aconteceu em 2015. Ou seja, de haver sondagens que nos dão como eleitos e depois no dia das eleições, isso não se verificar. A maneira de evitar que isso aconteça é que todos que querem votar no Livre votem no partido e não se deixem de levar à ultima da hora.

É a ideia do voto útil…

As pessoas que pensam no voto útil têm dois objetivos em mente: um primeiro que é o de impedir que outros cheguem ao Governo e, nesse ponto de vista, podemos dizer que o voto do Livre é extremamente útil porque tem uma clareza em relação a contribuir para fazer uma maioria de esquerda e impedir uma maioria de direita. Por exemplo, os votos no PS ou no PAN não poderão ser entendidos assim porque não poderão dizer que não inviabilizarão o programa do Governo ou um primeiro Orçamento do Estado da direita. Além dessa dimensão mais tática que o voto útil tem também há uma mais estratégica.

Se queremos que a política em Portugal tenha mais conteúdo, que tente elevar o nível de debate e que faça aquilo que, de forma geral, se reconhece mesmo quem está nos antídotos ideológicos do Livre, então neste caso temos de favorecer esse tipo de política e não premiar a política à qual faltou o sentido de responsabilidade e, por isso, estamos aqui.

Também do ponto de vista estratégico, o voto no Livre é um voto útil. E essa mensagem vamos fazer passar até ao dia das eleições, porque ninguém pode deixar o voto no Livre para outra pessoa. Todos os que gostaram de nos ver nesta campanha eleitoral, nestes debates, que querem uma política melhor, com mais cultura de compromisso e diálogo e com respostas práticas a várias situações concretas que são urgentes no nosso país e com uma visão de futuro em relação a um novo modelo económico para o país então deve mesmo votar no Livre e não deixar o seu voto ser desperdiçado nos últimos dias ou horas porque esse voto vai fazer falta.

Chegou a ser considerado por muitos como uma das surpresas dos debates..

Os debates fizeram uma enorme diferença. O Livre antes disso quase que não era registado nas sondagens, depois vimos que começou a aparecer e até duplicou e triplicou a sua presença. Acabaram os debates e começou a campanha que, como todas as outras, é muito feita de casos e casinhos, não permitindo o mesmo tipo de esclarecimento que os debates permitiram e, ao mesmo tempo, começaram as sondagens com a pressão para o voto útil.

Mas que os debates fizeram uma diferença enorme fizeram e estamos contentes por cumprir com uma missão que é nossa: honrar a democracia. E nos debates, mesmo com as diferenças que podemos ter e divergências que podemos ter em relação à forma de fazer uma coisa ou da maneira como podem ser implementadas algumas propostas, pelo menos, deve-se reconhecer que tratamos os nossos concidadãos como adultos e inteligentes que eles são. Acho que as pessoas merecem isso e querem isso da política e, a partir do momento em que o Livre regresse ao Parlamento creio que há muito caminho por andar porque as pessoas reveem-se numa forma de fazer política que é a nossa.

A saída de Joacine Katar Moreira afetou a imagem do partido?

Certamente afetou, certamente que teve consequências, certamente nos levou a não desempenhar a função na última legislatura que queríamos ter desempenhado, mas também é verdade que neste período eleitoral não sentimos que as pessoas façam diferença por causa da perda da representação parlamentar. O que nos falam principalmente é do valor acrescentado que trouxemos ao debate nas últimas semanas e é por isso que dizemos que se votarem no Livre terão esse valor acrescentado durante a próxima legislatura.

E acha que poderão beneficiar do descontentamento em relação a outros partidos?

Claro que o reservatório de votos é finito e portanto têm de se deslocar de uns para os outros. Pessoalmente a minha visão da política é pluralista, acho que faz falta haver vários partidos. Ainda bem que o discurso de maioria absoluta parece ter ficado para trás porque nitidamente as pessoas reagiram muito mal a uma tentativa de imposição de uma maioria absoluta.

O que os nossos concidadãos querem é ter várias vozes representadas no Parlamento, umas com as quais concordam mais, outras com as quais concordam menos, mas que elas saibam trabalhar em conjunto. Esse sentido de responsabilidade e essa visão do futuro faltou nesta legislatura, infelizmente. E faltou também na minha família política e os resultados estão à vista. Portugal não pode desaprender aquilo que aprendeu.

Quando vimos que Espanha que, em termos mais recentes, não conseguia fazer aprovar dois Orçamentos seguidos e foi para eleições várias vezes e que o último Orçamento que aprovaram é o documento com a maior dimensão da sua história, aprovado por 15 partidos diferentes, já integrando 10 mil milhões de euros do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] espanhol, com medidas que vão desde o cheque-cultura para os jovens a partir dos 18 anos até um vasto programa de arrendamento acessível vemos que em Portugal parece que está a desaprender aquilo que já tínhamos aprendido em relação ao que é um Orçamento, a uma maioria de Governo que deve ser feita por vários partidos e que deve estar por escrito. Aí temos razões para ficarmos preocupados com o nosso país porque se a política falta a esta responsabilidade são os extremismos que vão aproveitar.

Tem dito que a união à esquerda é essencial caso contrário estamos perante um ataque à democracia…

Creio que a direita portuguesa tem neste momento um grande problema que é ter sido demasiado permissiva com uma entrada e uma subida de uma extrema-direita que, em outros países europeus, foi sujeita a uma resistência por parte da direita tradicional muito maior. Isso coloca-nos numa grande incerteza se houver uma maioria à direita. Pode ser uma maioria de direita encostada à extrema-direita e uma extrema-direita que tem dito coisas mais extremas do que as outras extremas-direitas da Europa Ocidental.

É o caso de tratar de forma diferente os portugueses em relação à sua origem étnica, com um discurso muito negativo acerca dos mais vulneráveis, querendo sobrecarregá-los ainda mais e com mais punição do que alguma vez os ouvimos dizer em relação aos seus amigos, em casos muito mais complicados e que custaram muito mais dinheiro a Portugal do que aquilo que custam as famílias que são beneficiárias do RSI [Rendimento Social de Inserção].

Além disso, com um discurso acerca da democracia, tentando fazer dos últimos 48 anos como se nunca existisse e que quase nos devíamos envergonhar, quando na verdade é momento alto da história do nosso país. Não só pela democracia, como pela primeira vez, numa história de quase 900 anos, a população deste país pode aceder a uma educação de massas com níveis qualitativos mais altos. Além do SNS, do projeto europeu…

E o SNS ganhou ainda maior importância com a pandemia…

Exatamente. É uma direita que nos deixa numa grande encruzilhada, com muitas incertezas e instabilidade. O meu desejo é que a direita possa arrumar a extrema-direita a um canto mais tarde ou mais cedo, mas para isso precisam de outras estratégias e não aquelas que têm usado até agora que são de ambiguidade.

Viu-se o caso dos Açores…

Esse é um exemplo claríssimo. E essa é uma possibilidade que não foi cabalmente afastada durante estas eleições. Por isso, acho que a maneira mais eficaz de afastarmos uma maioria de direita da extrema-direita é conseguimos uma maioria à esquerda e que essa maioria seja plural e que o Livre esteja nela. 

Acha que é possível? Depois do Bloco e do PCP terem chumbado o Orçamento não tornará mais difícil esse diálogo?

Não e a resposta tem sido dada pelas pessoas. Creio que nesta última semana até há alguns sinais que estão finalmente a entrar pelos olhos adentro dos diretórios partidários dos outros partidos, o que ouvimos dizer na rua há muito tempo é que as pessoas querem sentido de responsabilidade, querem convergências e consequências por parte da esquerda. Temos de olhar para um país que não pode continuar a viver em duodécimos, vamos precisar de um Orçamento a breve trecho e vamos precisar de viabilizar um programa do Orçamento, espero que com uma maioria tão ampla quanto possível.

O que contrapomos é a necessidade de, até ao próximo 25 de Abril, haver a divulgação nas linhas gerais de uma agenda compartilhada, de um novo modelo de desenvolvimento para o país, que passe depois para uma fase de intenso debate e escrutínio por parte da sociedade civil. Ou seja, não propomos uma gerigonça dos gabinetes como costumo chamar, reduzida a negociações entre o secretário dos Assuntos Parlamentares e os diretórios partidários.

Achamos que uma maioria progressista tem que ser feita procurando na sua base social de apoio, a sua base política de apoio com a sociedade civil, com as ONGS, com a academia, com os peritos e com os grupos de trabalho nomeados pelos partidos, até para aproveitar um período que é crucial para a nossa democracia, embora não tenha sido muito falado, que é o de fazer um balanço da democracia até agora, entre os 48 e os 50 anos do 25 de Abril. No qual devíamos fazer um debate muito mais virado para o futuro, sem esquecer o passado, mas virado para o país que queremos.

Costumo dizer que o país que temos não é inimigo do país que queremos. Temos um sentido cívico que nos levou com o contribuído do SNS às maiores taxas de vacinação do mundo. 

Foi considerado um caso exemplar…

Exatamente e isso pode ser mobilizado também para outros objetivos. Acho que se dissermos às pessoas que temos de fazer um grande debate nacional para escolher quais são as áreas de economia em que nos queremos especializar para ir buscar os modelos mais produtivos de todo o mundo, como é a economia do conhecimento e da descarbonização, mas fazê-lo num sistema que redistribua riqueza, que reforce a Segurança Social e forneça serviços públicos de alta qualidade, as pessoas vão querer participar nesse debate.

Além disso, temos uma força de trabalho que está finalmente a aproximar-se dos níveis de qualificação do resto da Europa, portanto, neste momento, as pessoas que se estão a reformar são aquelas que entraram para a escola primária em 1962. Daqui a 10 anos, isso quer dizer que a nossa força de trabalho vai ser quase constituída por gente formada no Portugal democrático, isto é, com uma escolaridade obrigatória mais alta. E daqui a 20 anos só por gente formada no Portugal europeu. Ora, este é o momento que devemos aproveitar para acelerar esse processo, por exemplo, reformando a administração pública, rejuvenescendo-a e abrindo-a às tecnologias e ao conhecimento.

É preciso mudar a relação entre o Estado e o cidadão, tornando-a menos rígida e também podemos ajudar com toda essa força de trabalho qualificada a construir em Portugal aquilo a que costumamos chamar no Livre uma elite de serviços europeia e atlântica, tirando partido da nossa rede da diáspora, da lusofonia, do facto de fazermos parte do projeto europeu e de várias outras qualidades que o país tem, como a segurança, o acesso a vários mercados, o facto de ter uma ligação a África que é muito importante.

Ou seja, de criar uma economia de alto valor acrescentado, que não se faz de um dia para o outro, mas acima de tudo, os políticos não o farão sozinhos. É preciso um envolvimento da sociedade, por isso, quando digo que o país que temos não é inimigo do país que queremos é verdade, mas a política que temos, muitas vezes, é um obstáculo ao país que queremos.

E isso é depois visível pelo elevado nível das taxas de abstenção nas eleições, em que muitos jovens estão de costas voltadas para a política…

Sim e se reparar em todos os inquéritos aos valores sociais dos europeus dão um resultado que é muito curioso e muito especial. Temos em termos de valores sociais os mesmos que o resto da Europa Ocidental e, às vezes, melhores ainda do ponto de vista da maneira como respeitamos os factos científicos e a ciência. Sabemos que é uma realidade as alterações climáticas, como somos tolerantes em relação às escolhas de vida das outras pessoas, em relação à imigração e se formos ver esses dados concluímos que estamos ao nível da Islândia, dos países escandinavos e por aí fora, mas com uma enorme exceção: as reservas e as desconfianças que temos em relação à política e à atividade cívica.

Temos baixíssimos níveis de pertença a partidos, de participação em associações cívicas, de participação em movimentos cívicos, uma enorme desconfiança em relação à política e isso é uma coisa que nos deixa para trás, mas infelizmente, muitas vezes, sentimos que essas reservas das pessoas têm uma certa razão de ser. Quando vimos uma política que é muito concentrada no curto prazo, nos casos e nos casinhos, isso não atrai as pessoas. Estas não sentem que se esteja a falar realmente dos seus problemas concretos, nomeadamente da maneira de sairmos, por exemplo, desta armadilha de salários baixos.

Os salários não estão a ser acompanhados pelo aumento da formação…

Temos de resolver esta equação, que tem muitas variáveis, em que precisamos de ter políticas direcionadas. Temos várias no programa e outras teremos de encontrar, caso contrário o país não será sustentável. Precisamos de ter trabalho e salário à altura para quem tem qualificações e para quem trabalha temos de dar direito à formação recorrente, gratuita, a pedido do trabalhador e que deve ser entendido quase como um direito prioritário para a nossa economia e para a nossa sociedade que é para essas pessoas também almejarem um salário mais alto, porque o direito à formação é uma coisa essencial para qualificar o seu trabalho. 

E que tem ficado para segundo plano…

As empresas estão muito descapitalizadas e não têm muito capital para fazer isso. As políticas públicas em relação à formação existem mas foram deixadas um bocadinho em velocidade cruzeiro e temos de investir muito mais nelas. Por exemplo, fui à escola de enfermagem do Porto e há estudantes que ainda não acabaram o curso e já tem outros países europeus a quererem que eles vão para lá a ganharem muito mais, mas a coisa que para eles é mais importante, principalmente se vêm da classe média-baixa, é a formação que é toda a cargo dos serviços de saúde desses países.

Ao passo que aqui, os enfermeiros ganham pouco durante muitos anos, têm pouca progressão e se querem formar-se em obstetrícia, em saúde familiar ou se querem ir para um curso de administração hospitalar pagam tudo do seu bolso. E isso faz uma diferença enorme, mesmo que não se consiga no imediato – temos planos para subir o salário mínimo, o mediano e o dos trabalhadores independentes – é preciso fazer um caminho gradual e essa é uma razão que pode levar as pessoas a quererem ficar em Portugal se dissermos que a formação vai ser assegurada.

Tem de haver um compromisso?

As pessoas têm de sentir que fazem parte desse compromisso e as pessoas ficam mais no país se sentirem que Portugal vai para um lugar qualquer que é desejável. Vimos isso nos anos 80 e 90, em que as pessoas deixaram de emigrar e apesar de, nessa altura, o país estar a melhorar, ainda tendo grandes diferenças de rendimento em relação ao centro da Europa havia a noção de que havia um caminho que estávamos a fazer. A partir do início do novo século perdemos isso e as pessoas quando não acreditam acabam por emigrar e, muitas vezes, não voltam.

Disse que tem planos para subir o salário mínimo. No programa está previsto um aumento para mil euros no final da legislatura. Acha que é possível?

Creio que uma maioria à esquerda pode encontrar um compromisso para nos voltarmos a aproximar do salário mínimo espanhol porque é esse aumento que devemos ter em conta. Portugal tinha historicamente cerca de 80% do salário mínimo espanhol e infelizmente, durante o primeiro Governo da gerigonça, deixámos que a Espanha nos escapasse. Houve um grande aumento do salário mínimo em Espanha, fruto de uma negociação à esquerda, em que subiram 22% num só ano e nós não acompanhámos. Aí eles atingiram os mil euros e nós ficámos para trás, agora temos cerca de 70% do salário mínimo espanhol.

Com o aumento que entrou em vigor a 1 de janeiro que foi de 6,05% se repetirmos isso nos quatro anos desta legislatura conseguiremos chegar aos mil euros em média anual nos 12 meses por ano. No entanto, não estamos habituados a fazer as contas de 12 meses por ano mas é como nos comparamos com outros países, porque muitos só pagam 12 salários ao ano. Isso é o que está no plano e entretanto até o PS nesta campanha eleitoral já decidiu acompanhar. Agora a outra fasquia é mais exigente que é de chegar aos mil euros em 14 meses por ano, como se paga em Portugal, e isso necessitaria de um aumento de 10% ao ano durante quatro anos. Provavelmente não pode ser feito de uma forma tão regular, já que agora estamos com uma inflação alta.

O que disse a António Costa em 2019 foi que a fazer um aumento grande de salário mínimo deveria ter sido feito em 2019 porque a inflação estava baixa. A inflação coloca um dilema em relação ao salário mínimo: não pode ficar para trás e tem de acompanhar, pelo menos, a inflação, caso contrário, as pessoas perdem poder real de compra. Por outro lado, é preciso ter um olho na inflação, ou seja, para que os aumentos salariais não sejam eles próprios inflacionários.

Acho que temos de começar pelos 6% ao ano e temos de ter um compromisso, aquilo a que chamamos de pacto para o rendimento do trabalho e para a proteção social, que também deverá ser negociado em concertação social: quando a inflação baixar deverá ser aproveitado o momento para fazer um aumento mais robusto do salário mínimo para nos podermos aproximar do salário mínimo espanhol. 

Outra aposta do Livre diz respeito à habitação…

Portugal tem algumas medidas de arrendamento acessível ao nível municipal e defendemos que as devemos generalizar. Temos que ter um plano muito mais robusto de habitação que deve ser feito pensando em aproveitar alguns terrenos públicos em algumas cidades para fazer a construção em várias tipologias para que haja uma estrutura múltiplas de preços, em que umas possam financiar as outras. Isto é, cada casa ajuda a financiar a construção de mais para podermos ir mais longe e desejavelmente atingirmos as 100 mil casas num plano nacional de habitação, para podemos chegar aos 10% de habitação pública. Mas enquanto isto decorre, temos a proposta da constituição de um fundo a que chamamos de ‘Ajuda de Casa’ que permita ajudar no acesso à habitação própria por parte das classes médias baixas e dos jovens.

Este fundo poderia ser construído com o IHR, Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, que daria um ajuda para a entrada da casa e que permitisse à classe média baixa e aos jovens irem ao banco fazerem o resto do empréstimo. O acesso ao crédito é uma dificuldade que as pessoas têm e não é ao diminuir o IMI que de repente uma pessoa que vê o empréstimo recusado passa a ter o empréstimo aprovado. Após cinco anos de um período de carência, a pessoa ou consegue devolver o dinheiro e fica com 100% da casa ou passa a pagar um juro que serve para o fundo se robustecer. E se a casa for vendida, enquanto o fundo tem 7 ou 8 ou 10% do imóvel, não só valoriza o fundo como também recupera o que meteu na ‘Ajuda de Casa’. Claro que isto de ser acompanhado de medidas mitigadoras em relação aos preços do mercado e esta medida terá de ser aplicada para casas abaixo da média de preços. 

E em relação aos transportes públicos?

Defendemos a criação de uma nova tipologia de transporte público, a partir de uma rede de transporte escolar que faz falta em Portugal. Com o apoio do Estado central podemos fazer aquilo que foi feito nas comunidades intermunicipais e que permitiu baixar os preços dos passes. Ou seja, podemos fazer uma coisa semelhante para ajudar as áreas metropolitanas a adquirirem veículos elétricos entre a carrinha e o míni autocarro que faça o transporte escolar da porta da casa à porta da escola. Os pais terão confiança neste transporte se souberem que vai da porta de casa, que tem o auxiliar de ação educativa nos transporte e que os filhos vão sair à porta da escola. Aí acredito que deixem de usar o carro individual. E quando não está a fazer transporte escolar que é feito entre as 8h e as 10h e entre as 16h e as 18h podem levar os cidadãos seniores aos centros de saúde e podem tanto servir as áreas urbanas como as áreas rurais.

Esta medida também pode ajudar a que se crie uma fileira de carro elétricos para estas dimensões: entre os 12 e os 24 passageiros. Devemos investir neste futuro porque, ao mesmo tempo, que torna mais flexíveis as nossas deslocações também contribui para atingirmos as metas de combate às alterações climáticas e dá liberdade às pessoas. Além disso, pode ser sustentável porque há muitos que podem tirar partido deste transporte e pagar e serem gratuitos para quem precisa.

E em matéria fiscal o que defende o Livre?

A prioridade é termos um modelo de desenvolvimento sustentável que contemple o crescimento do país, mas um crescimento equilibrado e com redistribuição, pois só assim é possível baixar impostos. Achamos que há alguns que devem baixar – como é o caso do IVA –, assim como o IRS das famílias medianas. Mas para isso temos de tornar o imposto mais progressivo, portanto as classes com rendimento mais altos devem pagar mais se for necessário.

Claro que, no nosso modelo de desenvolvimento com uma economia que acreditamos que venha a ser de alto valor acrescentado, o perímetro da coleta fiscal irá alargar-se porque há mais atividade económica, permitindo a mediana pagar menos. Outro imposto que pode vir a baixar no futuro se for implementada uma medida que defendemos há bastante tempo, mas que não depende só de nós mas finalmente está em cima da mesa é o IRC.

Temos PME a pagarem 21% porque não podem fugir aos impostos, mas depois temos as grandes empresas portuguesas domiciliadas nos Países Baixos porque ali não pagam praticamente nada. Se for introduzida a taxa de IRC mínima global de 15% é necessário que se assista ao regresso das grandes empresas em Portugal

Em relação ao rendimento básico incondicional (RBI) que foi avançado pelo Livre acha que foi mal compreendido?

O facto de outros partidos terem tentado trazer esse tema para a mesa caricaturando-o acabou por permitir esclarecer o que é que se trata e porque é que é importante fazer um projeto político. Primeiro é muito barato, tendo em conta as outras propostas que temos em cima da mesa: desde a Iniciativa Liberal com o seu programa de taxa única que até eles próprios admitem que perderíamos dois mil milhões de euros de coleta fiscal até o Bloco com o seu programa de nacionalizações que Catarina Martins no debate com António Costa não negou que custaria dezenas de milhares de milhões de euros.

Um projeto piloto de RBI, dos mais caros que estão historicamente documentados, anda à volta de 30 milhões de euros, ou seja, cem vezes menos do que a proposta da IL e mil vezes menos do que a do Bloco. Mas claro que teria de ser um projeto piloto. Ainda esta semana foi dito que a Irlanda vai fazer um projeto piloto de RBI concentrado essencialmente na comunidade dos trabalhadores da área da cultura.

Porque é que interessa fazer um projeto piloto de RBI? Com o acelerar das transformações que temos visto nos últimos anos, com a introdução da inteligência artificial, da robótica e da automação no mundo de trabalho, o que certamente vai acontecer é que vamos ter de pensar em novas modalidades de gerir o mundo do trabalho. O RBI é uma dessas possibilidades, assegurando que toda a gente tenha um mínimo de dignidade e que também tenha mais autonomia, na altura de procurar trabalho.

O que nos diz a experiência na Finlândia, apesar de alguns caricaturarem, é que compararam uma população com o RSI – ou o equivalente a este subsídio – ou seja, que perde o RSI quando arranja trabalho e uma população com o RBI, em que essa procurou mais trabalho. Porquê? Porque não tinha medo de perder o subsídio, caso contrário muita gente ficaria mantida abaixo da linha de pobreza que são as pessoas que, por um lado, podiam procurar trabalho, mas a partir do momento em que sabem que vão perder aquele rendimento são mais avessas a fazer essa transição.

O caso finlandês o que prova é que se encorajamos mais pessoas a procurar trabalho, se lhes dissermos que não haverá uma linha de corte aí essa tendência de procura de emprego aumenta. Agora vamos ver o que os irlandeses já este ano vão implementar e o que vão aprender com isso, mas acho que valeria muita a pena fazer em Portugal um projeto piloto de RBI, até pelo resolver dos problemas administrativos que temos de saber e que problemas é que vamos encontrar antes de um dia, até numa situação de emergência, se quisermos vir a implementar a medida.

Na verdade, nos Estados Unidos ou até no Brasil fizeram durante a pandemia a entrega de cheques diretamente para as contas das pessoas, mas para se conseguir fazer isso é preciso ter os números da Segurança Social e as contas das pessoas. Ou seja, é um desafio administrativo e precisamos de saber se a nossa administração está pronta para isso ou não. 

Mas seria mais direcionado para os mais jovens ou para os mais afetados pela pandemia?

A primeira coisa que teríamos de fazer seria lançar um apelo aos técnicos que já estão muito conhecedores de RBI. Temos nas universidades, os académicos que estudam este assunto há muito para poderem desenhar um projeto que pudesse ser aplicado ou no interior do país ou numa das ilhas ou provavelmente dois subprojetos para poder comparar um com o outro, como fizeram na Finlândia. Não vale a pena entrar em excessivos detalhes sobre como poderia ser aplicado porque tem de ser desenhado durante um período de tempo suficiente para depois quando for implementado também possa ser avaliado. É assim que se fazem as políticas públicas. 

Quanto ao valor seria o ordenado mínimo?

Mais uma vez, isso tem que ser deixado aos detalhes do próprio projeto piloto.

E como vê questões como a TAP, em que há partidos que são mais radicais do que outros quanto ao seu futuro?

Consideramos que há que olhar para uma TAP pública, mas que seja rentável. Primeiro que seja sustentável e que dê lucro depois. E não nos esqueçamos que esse é o compromisso que existe ao nível do direito europeu, ao contrário do que muita gente diz, incluindo a esquerda ao garantir que o direito europeu não permite nacionalizar empresas, isso não é verdade. É possível nacionalizar empresas, mas com uma condição que até nos protege que é o facto de essas empresas terem de dar lucro e de terem de apresentar um plano de sustentabilidade.

Uma TAP que faça o serviço que nos importa, de servir as nossas comunidades imigrantes, as ilhas, a diáspora, a lusofonia e capte uma plataforma em Portugal para o turismo e viajantes de serviços e para que seja competitiva com outras plataformas europeias e ibéricas é algo que se possa alcançar. É verdade que agora tivemos de meter bastante dinheiro na TAP em época de pandemia, não somos os únicos, outros países tiveram que fazer o mesmo e comparativamente é preferível fazê-lo numa economia que cria valor do que teres posto muito mais dinheiro como tivemos de meter no sistema financeiro quando ele nos rebentou nas mãos.