
Foram levantadas quase todas as restrições e abriram os bares e discotecas. O i falou com portuguesas a viver no Reino Unido que mostram algumas dúvidas em relação a esta total liberdade.
Sem máscaras, sem distanciamento, sem restrições. Assim será a vida em Inglaterra daqui em diante. A maioria das medidas aplicadas por causa da pandemia foi levantada, apesar de o número de casos continuar bastante elevado. Ainda na passada sexta-feira, antes de a Inglaterra celebrar o “Dia da Liberdade”, que marcou a última fase do desconfinamento no país, o Reino Unido reportou quase 52 mil novos casos — algo que não acontecia desde 15 de janeiro —, e as previsões apontam que o pico desta quarta vaga só seja atingido em agosto, com cerca de 100 mil novas infeções por dia.
Agora, acaba o limite ao número de pessoas que se podem encontrar, apesar de continuar a ser recomendado que os encontros sejam no exterior. Quem está em teletrabalho pode começar a regressar gradualmente ao posto de trabalho. As máscaras deixam de ser obrigatórias, mas ainda são recomendadas em alguns locais, como nos transportes públicos. As discotecas, bares e o interior dos pubs reabrem ao fim de 16 meses fechados e os cinemas e teatros podem esgotar a lotação. O distanciamento social de um metro deixa de ser obrigatório, exceto em alguns locais como os hospitais, e deixa de ser exigida quarentena de dez dias à população vacinada que regresse de um país da lista amarela de destinos (onde se incluem Portugal Continental e os Açores).
O que antes era regra, agora passa a recomendação, isto porque o próprio primeiro-ministro britânico deixou o alerta de que o vírus não tinha desaparecido e que ainda era preciso ter alguma cautela. Mas o facto é que a abordagem em relação às medidas de segurança deixa de ser uma imposição das autoridades, passando a estar nas mãos de cada um.
Como está a ser vivida esta nova fase?
O alívio nas restrições e a aparente liberdade de escolha nas medidas de combate à pandemia, já se fazem sentir no dia a dia de quem vive em Inglaterra. Na madrugada de domingo, as enchentes de pessoas no interior das discotecas — que puderam abrir portas a partir das 00h de segunda-feira depois de terem estado fechadas durante 16 meses — marcaram a noite londrina.
Mas as diferenças não se fizeram sentir apenas nas atividades de diversão noturna. Pelo menos, essa é a perceção de Rita Ferreira. Tem 29 anos, mora em Londres e está em teletrabalho desde março de 2020. Desde então, não voltou ao escritório, mas a companhia aérea onde trabalha já se mostra 100% flexível em relação ao regresso ao trabalho presencial e a sua vontade parece ser a mesma.
“Gosto bastante de trabalhar em casa, mas já sinto falta de estar com os colegas. Vou voltar com certeza ao escritório, mas apenas um a dois dias por semana. Não diria que é por receio próprio, porque o escritório adotou medidas muito seguras em relação ao distanciamento social, mas sim porque me adaptei muito bem ao modelo de teletrabalho”.
Quanto à utilização da máscara, a postura já não é a mesma. Apesar de Rita já ter a vacinação completa desde a semana passada, diz que vai continuar a utilizar máscara porque ainda não se sente totalmente segura. “Acho que grande parte das pessoas partilha da mesma opinião e vão continuar a utilizar máscaras, pois consideram que ainda é demasiado cedo para as abandonar. Ainda hoje, tive que utilizar o comboio e toda a gente tinha a máscara posta. E esperemos que assim continue”, comenta.
No que se refere à reabertura das discotecas, a ânsia do regresso a estes espaços é muita. “Já passaram 16 meses desde a última vez que os clubes estiveram abertos e as pessoas já estavam desejosas de voltar a ter a liberdade de dançar e socializar. A madrugada de domingo foi um claro exemplo do quanto as pessoas sentiam falta dessa atmosfera noturna, com todos os clubes das grandes cidades absolutamente esgotados”.
Rita conta voltar a estes espaços “o mais breve possível, mas com todas as medidas preventivas possíveis”, mencionando que o Governo britânico fornece gratuitamente testes rápidos à população. E acrescenta: “Faço questão de testar antes de ir para um destes espaços e enquanto a grande maioria dos jovens não estiver vacinada continuarei a utilizar a máscara. Não é muito prático mas acho que já estamos todos habituados a ter a máscara como acessório”.
Por seu lado, Ângela Oliveira, de 24 anos, que trabalha num casino na área de Londres, confessa que a reabertura dos espaços de diversão noturna lhe causam um “pouco de confusão” e por enquanto não se imaginar a frequentar esses espaços, tendo em conta que para já irão funcionar sem qualquer tipo de restrição.
“Infelizmente, acho que a maioria da camada mais jovem está ansiosa por voltar a estes espaços e sem qualquer tipo de receio. No meu local de trabalho lido com muitos clientes que procuram no casino um sítio para ‘beber uns copos’ já que, até agora, era o estabelecimento aberto até mais tarde. E tenho constantemente de pedir às pessoas, especialmente aos mais jovens, para colocarem as máscaras ao entrar no estabelecimento. O pior, é que a maioria as retira assim que passam a receção e não têm nenhum segurança ou staff por perto”, descreve.
Na perspetiva de Ângela, a decisão de levantar as restrições é “precipitada e um tanto irresponsável’’ por parte das autoridades britânicas. “Temos muitos casos, muita gente que não quer ser vacinada e acho que as coisas só vão piorar”, argumenta.
Já Rita reconhece que a população está muito dividida: “Os que tiveram o seu sustento afetado pelas medidas de lockdown dizem que está mais que na hora de voltar à vida normal, enquanto que a restante população pede mais prudência. No entanto, não condeno nenhuma das partes”
Isolamento para Johnson
Apesar desta nova liberdade, Boris Johnson é um dos que não poderá aproveitar para já o fim das restrições, por estar em isolamento após ter estado em contacto com o ministro da Saúde, Sajid Javid, que testou positivo para a covid-19. O chefe de Governo admitiu, numa mensagem vídeo publicada no domingo, que “pensou brevemente” em não ficar em isolamento, optando por participar num programa piloto de testagem diária, que permite que as pessoas que estiveram em contacto com casos positivos não tenham de fazer isolamento profilático, efetuando testes diariamente. Contudo, esta postura foi alvo de indignação por parte da opinião pública e Johnson deverá cumprir o isolamento até dia 26 de julho.
O isolamento profilático de pessoas que sejam contactos de risco e testem negativo à covid-19 vai manter-se até dia 16 de agosto, mas a partir desta data deixa de ser obrigatório para as pessoas que tenham completado o esquema vacinal ou que tenham menos de 18 anos. Todas as pessoas podem ainda fazer duas vezes por semana testes de diagnóstico gratuitamente.
Até ver, a única situação que está ainda em aberto é a possibilidade de se vir a impor certificados digitais de vacinação no acesso a determinados espaços e eventos, como vai passar a ser necessário à entrada de discotecas e salas com grande capacidade até ao final de setembro. A medida foi anunciada ao final da tarde de segunda-feira pelo primeiro-ministro britânico que argumentou que a obrigatoriedade do “passaporte” de vacinação para o acesso a locais de grande concentração de pessoas “é necessária para reduzir a transmissão do vírus”, apelando a que todos os maiores de 18 anos se comecem a imunizar. Para já a medida ainda não vai abranger os pubs, mas Boris Johnson garante que irá “fazer o que for necessário para proteger a população”.
Ainda assim, e uma vez que quase 70% da população adulta já tem a vacinação completa, as autoridades de saúde consideram que esta é a altura para avançar no desconfinamento. Segundo o Governo britânico, mais de 46 milhões já receberam a primeira dose e um total de quase 36 milhões já tem a segunda dose.
Texto editado por Sónia Peres Pinto