A ex-dirigente birmanesa Aung San Suu Kyi, detida desde o golpe militar de 01 de fevereiro, apareceu hoje em tribunal, um dia depois da emissária da ONU ter alertado para o risco de "guerra civil" em Myanmar.
Mais de 535 pessoas, incluindo numerosos estudantes, adolescentes e crianças, foram mortas pelas forças de segurança em dois meses, segundo a Associação de Assistência a Presos Políticos (AAPP). Centenas de outras estão desaparecidas.
Aung San Suu Kyi, 75 anos, compareceu por videoconferência num tribunal de Naypyidaw, a capital, para uma audiência sobre questões administrativas como a designação oficial dos oito advogados da sua equipa de defesa.
Parecia em "boas condições físicas", disse um deles. Estava "brilhante e charmosa como sempre", comentou o advogado Khin Maung Zaw.
A equipa de defesa viu-a na véspera por vídeo e sob vigilância policial pela primeira vez desde o golpe.
"Ela pediu um encontro com os seus advogados — uma reunião privada para dar instruções à defesa e discutir o caso sem ingerência exterior da polícia ou das forças armadas", adiantou.
A próxima audiência ficou marcada para 12 de abril.
A prémio Nobel da Paz 1991 é acusada de "incitação à agitação pública", de violar a Lei de Segredos Oficiais e de ter recebido mais de um milhão de dólares e 11 quilogramas de ouro em subornos, enfrentando longos anos de prisão e correndo o risco de ser banida da vida política.
Deputados do seu partido, a Liga Nacional para a Democracia (LND), anunciaram na quarta-feira a formação na primeira semana de abril de "um novo governo civil" de resistência.
Na clandestinidade desde o golpe de Estado, anunciaram ainda que a Constituição de 2008, redigida pelo anterior regime militar, foi "anulada".
Hoje, manifestantes queimaram um monte de cópias do texto numa rua de Rangum, a capital económica, onde dois supermercados propriedade do exército foram incendiados durante a noite.
Um manifestante de 31 anos foi morto em Monywa (centro) e dez outros foram feridos, disse um socorrista à agência France-Presse.
Realizaram-se vigílias e orações silenciosas em memória dos "mártires" dos últimos dois meses e manifestantes desfilaram por Rangum com "lágrimas de sangue" pintadas na cara. Dezenas de milhares de funcionários públicos e do setor privado continuam em greve.
A Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho acusou as forças de segurança de atacar os socorristas.
"Médicos e socorristas da Cruz Vermelha na Birmânia foram detidos de modo injustificado, intimidados ou feridos e bens e ambulâncias da Cruz Vermelha foram danificados. É inaceitável", declarou o diretor regional da organização para a Ásia-Pacífico, Alexander Matheou.
Durante uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU, à porta fechada, na quarta-feira, a emissária da organização para Myanmar, Christine Schraner Burgener, alertou para "um risco de guerra civil a um nível sem precedentes", exortando "a considerar todos os meios ao dispor para (…) evitar uma catástrofe multidimensional no coração da Ásia".
Mas os 15 membros dos conselhos estão divididos. Washington e Londres defenderam a aplicação de sanções pela ONU, enquanto Pequim, aliado tradicional do exército birmanês, rejeitou a ideia e apelou ao "regresso a uma transição democrática".
A violência contra os civis desencadeou a cólera entre as duas dezenas de fações étnicas rebeldes em Myanmar e algumas lançaram ataques contra a polícia e o exército, tendo este ripostado com ataques aéreos.
Pelo menos 20 soldados morreram e quatro camiões militares foram destruídos na quarta-feira em confrontos com o Exército da Independência de Kachin (KIA), segundo a emissora televisiva DVB News. Por outro lado, o portal da Internet Karen News indicou que 11 pessoas morreram na terça-feira em ataques aéreos no estado Karen.