Alterações climáticas. Os “segredos” vikings que o degelo revelou

Alterações climáticas. Os “segredos” vikings que o degelo revelou


O degelo numa zona montanhosa no sul da Noruega deixou a descoberto mais de mil artefactos “espetaculares” utilizados durante a era viking.


O degelo provocado pelas alterações climáticas está a trazer a história à tona – pelo menos, na Escandinávia. Nas montanhas de Lendbreen, no sul da Noruega, foi encontrado um trajeto que terá sido utilizado pelos vikings. E não se tratava de um caminho qualquer: os investigadores acreditam que se tratava de uma rota comercial. As conclusões foram publicadas, na semana passada, na revista científica Antiquity, um braço da Universidade de Cambridge. James Barrett, arqueólogo da casa, e Lars Holger Pilø, diretor do Glacier Archaeology Program (Programa Glaciar Arqueológico), foram os responsáveis por esta atípica escavação arqueológica em que as alterações climáticas fizeram as vezes de material de escavação e deixaram à mostra sapatos de couro, ferraduras especiais para os cavalos resistirem às longas caminhadas na neve, pedaços de trenós, chifres de rena, instrumentos de cozinha e túnicas de lã, entre os cerca de mil artefactos descobertos.

“Os artefactos expostos pelo degelo indicam um uso aproximadamente desde o ano 300 até 1500, com um pico de atividade por volta do ano 1000, durante a era viking – uma época de crescente comércio, mobilidade, centralização política e urbanização na Europa do norte”, indicam os arqueólogos nas conclusões do estudo, avançando que Lendbreen traz novas informações sobre a organização da economia, das comunicações, das trocas e, enfim, da forma de viver em sociedade de então. “Esse pico notável de uso mostra o quão conectada até uma localização tão remota estava com os acontecimentos económicos e demográficos mais amplos”, explicou o arqueólogo James Barrett.

Estes segredos escondidos debaixo do gelo mostram ainda como os habitantes usavam a neve como aliada na hora de criar caminhos. A National Geographic foi mais longe e apelidou, por exemplo, o trajeto descoberto de “autoestrada viking”. “Pode parecer um contrassenso, mas as montanhas altas serviam às vezes como grandes rotas de comunicação, ao invés de serem grandes barreiras”, disse o investigador ao Guardian.

Desde 2011 que os arqueólogos tinham percebido as potencialidades deste local nas margens do rio Otta. Tudo começou com uma túnica de lã com 1800 anos descoberta na montanha de Lomseggen, não muito longe deste local, e que deixou Lars Holger Pilø curioso sobre o que mais haveria debaixo do gelo. Enquanto os colegas empacotavam o achado, descreve a National Geographic, Pilø e outro arqueólogo começaram a afastar-se em direção ao gelo derretido no chão, envolto na névoa da montanha, e depararam-se com um campo coberto de objetos que tinham recentemente ficado expostos, intocados há centenas de anos.

“Foi uma descoberta de sonho” que, em simultâneo, nos faz pensar na força das alterações climáticas, disse, por sua vez, Barrett ao diário britânico, lembrando que tinha sido o degelo maciço do ano passado neste local o responsável pelo facto de, agora, não haver provavelmente mais nada para descobrir em Lendbreen.

Entre a descoberta de tantos artefactos “espetaculares” e muitíssimo bem preservados, o arqueólogo Lars Holger Pilø diz ter um preferido: trata-se de um singelo objeto de madeira, pequeno e fino, que terá cerca de mil anos. Ninguém percebia do que se tratava até o pedaço de madeira ter sido identificado por uma mulher que cresceu numa quinta na década de 1930: o objeto era, afinal, usado para prevenir que os cordeiros ou cabritos mamassem e, assim, guardar o leite para consumo humano.