Olhamos para trás e as discussões da atualidade como a saia do assessor, a parlamentar que gagueja, o excedente de 0,2% do Orçamento, os turistas que são demasiados e as rodas dos tróleis que fazem muito barulho na calçada de Lisboa, e até a do treinador que custou 10 milhões trazem-nos um sabor agridoce. Em menos de um mês, todas essas discussões nos parecem fúteis, estéreis e risíveis mas, no entanto, que bom era podermos estar, “despreocupadamente”, a tê-las.
Hoje, tudo está diferente. Tão diferente que o barulho que ouço maioritariamente da minha janela é o silêncio ensurdecedor da vida em suspenso. A questão é que, enquanto para alguns a vida está em suspenso como se o tempo estivesse parado e à espera que o cronómetro volte a contar, para muitos, o tempo continua a correr e a vida, essa, não está em suspenso, mas a andar em sentido contrário do tempo.
Tudo está confuso e tão ao contrário que até na União Europeia pode haver países sem democracia, e até já ouvimos falar de passaportes para pessoas imunes ao vírus, como se de um filme de série B de ficção científica se tratasse, em que os imunes seriam aptos e os não imunes não aptos. Não sei de onde terá saído esta ideia, mas qualquer dia teremos “passaportes” para loiros de olhos azuis (onde é que já terei ouvido isto?).
Mas o tempo não para mesmo e a crueza dos números já conhecidos do que está a acontecer no país são o soco no estômago da realidade: mais de 30 mil empresas paradas, milhares de trabalhadores sem trabalho já neste momento e mais uns milhares a verem os seus rendimentos, para já, diminuídos, sem a certeza de que possam sobreviver ao balão de oxigénio económico do layoff.
Portugal, pequena economia aberta, dispõe de parcos recursos quando comparamos com Estados da nossa “comunidade” a afirmar que irão injetar 500 mil milhões na sua economia para que não colapse.
Hoje deveria ser um daqueles dias em que os ministros das Finanças que se sentam na reunião do Eurogrupo, que acontece neste preciso momento, se libertariam da mortalidade anónima e começariam a trilhar o caminho necessário para que, quando a História julgar o presente, não recorde apenas a pandemia, mas o que fizemos enquanto europeus para a superar, como salvámos as empresas e as famílias e a economia. Temo que tal não aconteça, e o egoísmo prevalecerá e nada de novo poderemos esperar desta Europa.
Muito já se escreveu e disse sobre o norte e o sul da Europa, o euro, quem enriquece com a moeda única, e nada disso realmente importa quando, na altura em que mais riqueza existe em toda a história da humanidade, ela não tenha sido suficiente para salvar os que morreram do vírus e, depois, os que ficaram sem nada por causa de tudo ter parado. Seria, a todos os títulos, imperdoável.
Sei que em Portugal usaremos todas as ferramentas que temos ao nosso dispor e o engenho, que só os portugueses sabem ter, para ultrapassar as dificuldades.