Mês crucial de abril. A expressão foi usada por Marcelo Rebelo de Sousa para carregar a importância e a dificuldade das semanas que o país vai atravessar. O desfecho é a primeira incógnita do processo de recuperação – espera-se – que se seguirá. «Ganhámos a primeira batalha: adiámos o pico, moderámos a progressão do vírus, onde se o número de infectados começara a crescer a mais de 30%, baixou para 15% e nos últimos dias inferior a 15%. Ganhámos tempo», disse o PR. «Temos de ganhar a segunda fase. Não podemos desbaratar a consolidação da primeira. Temos de consolidar a moderação do surto com números que vão subir e muito em valores absolutos mas irão, esperamos, descer em percentagem».
Um mês depois da confirmação dos primeiros casos, há esse sinal aparentemente positivo do abrandamento do crescimento de novos casos, mas somam-se preocupações em várias frentes. Prorrogado o estado de emergência, o Governo apertou as regras à circulação no período das férias da Páscoa, com deslocações proibidas para fora do concelho de residência e agora o apelo direto – António Costa foi ao programa da Cristina fazê-lo – para que os emigrantes, se possível, não viagem para o país ou, fazendo-o, mantenham o distanciamento social, de resto o apelo feito a todos os portugueses. As chegadas ao interior fizeram soar o alerta entre os autarcas, com já vários casos de cadeias de transmissão iniciadas por emigrantes, mas até esta semana tinha havido alguma indefinição – decisões de delegados de saúde locais no sentido de determinar o isolamento profilático foram inicialmente revogadas. Este ano a Operação Páscoa da polícia será a operação Recolhimento Geral e vão estar no terreno milhares de agentes, não só nas estradas, mas na via pública, onde estão proibidos ajuntamentos de mais de cinco pessoas, uma medida inédita em democracia como todas as outras alteraram os dias.
Haverá ainda maior controlo na fronteira e de 9 a 13 os aeroportos nacionais estarão fechados. A transmissão comunitária em Portugal já é uma realidade, mas os casos ligados ao estrangeiro têm continuado também aumentar, dos Emirados Árabes Unidos à América Latina. Mas sobretudo aos países com maiores eidemias na Europa. Nesta na última semana, o maior absoluto foi de casos ligados a Espanha, qu e subiram de 105 para 152. O número de casos com ligação a França subiu de 72 para 107. Seguem-se os casos ligados ao Reino Unido (52) e Suíça (39).
Um ‘barómetro’ da epidemia nos cuidados intensivos
Os hospitais continuam a adaptar-se para dar resposta ao esperado aumento de casos nas próximas semanas, ao mesmo tempo que vão despontando em vários concelhos hospitais de campanha e locais alternativos de internamento. Dos quase 10 mil casos confirmados até esta sexta-feira, cerca de 90% não precisam de estar nos hospitais e estarão essencialmente em casa ou estruturas residenciais como lares, onde tem havido um número crescente de diagnósticos. Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, fala de um momento crítico da epidemia e admite que o aumento rápido de doentes em cuidados intensivos, que mais do que duplicou na última semana de 71 para 245, é neste momento um dos principais motivos de apreensão. «Neste momento o sentido aparentemente é positivo mas temos tido dificuldades nos testes e a dificuldade de acesso a reagentes tem sido notória, estão a ser marcados testes para doentes para daqui a mais de uma semana, e isto fez com que tenhamos dados menos objetivos da situação atual da epidemia», alerta. É nesse sentido que o aumento de casos em cuidados intensivos pode ser visto como indicador, diz. Também porque são o tipo de cuidados com mais dificuldade em ampliar. «Penso que neste momento não estamos ainda livres de a situação se poder inverter e temos de fazer todos os esforços para diminuir a propagação, porque se tivermos menos infetados, teremos menos pessoas internadas e a precisar de cuidados intensivos. Mas mesmo assim é previsível que venhamos a ter muitos mais casos nas próximas semanas. Até aqui a resposta do SNS tem sido boa, mas temos de apostar tudo na prevenção».
A Ordem e a AEP apresentou ao Governo uma proposta para instalar um hospital temporário nas instalações da Exponor, em Leça da Palmeira, já que é na região norte, com mais casos, que se receia que os hospitais possam vir a precisar primeiro de retaguarda. O projeto prevê quartos de pressão negativa e cuidados intensivos, tendo o contributo de várias empresas, mas ainda aguarda luz verde do Ministério da Saúde. Para ficarem prontas as primeiras 48 camas seriam precisos 15 dias, diz Miguel Guimarães. Nos maiores hospitais, a área de cuidados intensivos tem vindo a ser alargada e o Governo já garantiu também que estão agora assegurados mais de 2000 ventiladores, o que duplica a capacidade inicial. Portugal surge nas comparações internacionais como um dos países com menor taxa de camas de cuidados intensivos, mas não existe uma contagem da disponibilidade atualmente disponível nos hospitais. Em Lisboa, o Curry Cabral estará dedicado inteiramente à Covid e também em Santa Maria foi reforçada a resposta. No São João foi também alargada a capacidade, com a resposta a doentes covid estendida à unidade de cuidados intensivos que até aqui estava dedicada a doentes neurocríticos. Um mês depois de terem recebido os primeiros casos, Fernando Araújo, presidente do conselho de administração do São João, diz que o momento é difícil, mas há uma equipa empenhada a dar tudo. «Os profissionais de saúde estão altamente empenhados. Neste clima de tensão, existe uma enorme tranquilidade, misturada com muita determinação. E a certeza de que vamos conseguir vencer este desafio», disse ao SOL.
Pico próximo?
Depois de ter apontado o pico para 14 de abril e a seguir para Maio, com Marcelo a admitir que poderá chegar mais cedo, o Governo não tem apresentado os cenários concretos com que está a trabalhar. Alguns investigadores têm vindo a sugerir, no entanto, que, perante o abrandamento no crescimento de novos casos, o pico estará próximo e não é impossível que se verifique já na próxima semana. Óscar Felgueiras, matemático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, explica que em torno do pico deverá existir um planalto, com o número de novos casos em valores constantes durante vários dias, estimando que no caso português possa ser assim durante duas semanas. «Teoricamente, se a população mantiver o comportamento, o ritmo de descida será semelhante ao da subida. Mas isto a esta distância ainda não é tão fácil prever com precisão». Será então preciso preparar a próxima fase de resposta. Nesta próxima semana, o investigador admite que, mantendo-se a atual tendência, o país deverá chegar aos 15 mil casos confirmados. A situação nos lares e sistema prisional acrescenta incerteza, explica Óscar Felgueiras. «Existe sempre a possibilidade de haver um conjunto de surtos simultâneos que possam sobrecarregar o sistema hospitalar». E o comportamento da população será determinante. «À medida que o tempo passa é natural algum desgaste da população, que conduza a baixar a guarda. Esta é, claramente, a altura menos propícia a isso pois estamos num momento decisivo».